Transcrição: Claudio Caus indica "Losango Caqui", de Mário de Andrade


Na 7ª transmissão ao vivo do Pois É, Poesia, que acontece pelo youtube.com/@PoisePoesia, a dica de leitura ficou a cargo do professor Claudio Caus. Acompanhe o trecho do podcast e a transcrição logo a seguir. 


(Vinheta cantada) Pois É, Poesia

 

Reynaldo Bessa:

Agora, o momento sempre muito aguardado pelos apaixonados do livro, né? A dica de leitura do Pois É, Poesia. E para isso contamos com o professor Claudio Caus. Claudio Caus é professor de Língua Portuguesa e Literatura há 25 anos, com formação em Educomunicação e Letras pela USP. É especialista em obras literárias dos vestibulares e um apaixonado pela biografia e obra de Mário de Andrade. Mário de Andrade é apaixonante mesmo. É só começar a ler pra ver, né? Cláudio Caus, querido, seja bem-vindo.

Chegue aí, tudo certo?

 

Claudio Caus:

Opa. Boa noite, Reynaldo Bessa, tudo bem?

 

Reynaldo Bessa:

Tudo bem, querido, e você?

 

Claudio Caus:

Tudo joia, estou me ouvindo bem, né? Eu queria agradecer aí o convite, honrado por participar com tanta gente aí ilustre, que inclusive me trouxe muitos conhecimentos, porque a obra do Mário é tão vasta, tão encantadora, que a gente nunca se cansa de aprender coisas novas sobre ele e querer descobrir cada vez mais, né? Explorar cada vez mais a herança que deixou.

É difícil recomendar uma obra do Mário. E ainda mais, selecionar um trecho para fazer uma leitura, né? Mas desafio aceito:

Difícil texto do nulo contemplo todos os ângulos ao mesmo tempo. E aí, o Mário é aquele do armário, armário de mantimentos emotivos, de manter mentes criativas, de meter o louco subversivo em domínio público nas bibliotecas, na internet. Vocês não me faltem. Mário do Macunaíma, herói sem nenhum caráter, de malícia ingênua, malemolência?

Brasileiria em construção, contraditório, multiétnico, lutando ingloriamente contra o multiculturalismo em pena de galhofa, pois é poesia libertária e libertina. Desde o livro “Há uma Gota de Sangue em Cada Poema”, em tinta de melancolia contra a realidade opressiva, passando pelo “Pauliceia Desvirada”, Sampa-SP. Versos livres transitando na cidade caótica, caliente, robótica, cosmopolita até o “Losângo Caqui” anti dureza militar no amor que é macia, árvore da qual colhi a seguinte poesia, em que o papa do modernismo assim se autorretrata em amálgama à metrópole macota, no capítulo número 17:

 

“Mário de Andrade, intransigente pacifista, internacionalista amador, comunica aos camaradas que bem contravontade, apesar da simpatia dele por todos os homens da Terra, dos seus ideais de confraternização universal, é atualmente soldado da República, defensor interino do Brasil.

E marcho tempestuoso noturno.
Minha alma cidade das greves sangrentas,
Inferno fogo INFERNO em meu peito,
Insolências blasfêmias bocagens na língua.

Meus olhos navalhando a vida detestada.

A vista renasce na manhã bonita.
Pauliceia lá em baixo epiderme áspera
Ambarizada pelo sol vigoroso,
Com o sangue do trabalho correndo nas veias das ruas.
Fumaça bandeirinha.
Torres.
Cheiros.
Barulhos
E fábricas…
Naquela casa mora,
Mora, ponhamos: Guaraciaba…
A dos cabelos fogaréu!…
Os bondes meus amigos íntimos
Que diariamente me acompanham pro trabalho…
Minha casa…
Tudo caiado de novo!
É tão grande a manhã!

É tão bom respirar!
É tão gostoso gostar da vida!…

A própria dor é uma Felicidade”.

 

Valeu, gente. Obrigado.

 

Reynaldo Bessa:

É isso, esse texto você pegou, esse texto?

 

Claudio Caus:

Oi, Reynaldo. Então eu fiz uma brincadeirinha com trechos e referências das obras do Mário de Andrade, para não deixar nenhuma importante de fora. E olha que ficaram outras, né? É, e só que a parte em que eu cito, vem do Poema, o número 17 vem do poema é um poema, né? Do livro “Losângo Caqui”.

Reynaldo Bessa:

Opa, sim.

 

Claudio Caus:

Que e escolhi... escolhi assim porque a gente está aqui em São Paulo, esse calor, essa noite, essa luta do dia a dia, nessa pulsação sanguínea, essa gana de trabalhar e de construir, de cuidar de quem a gente ama e de ter esperança todos os dias, mesmo nos cenários mais adversos, né?

Inclusive o “Losango Caqui” que é o livro em que o Mário de Andrade conversa sobre o militarismo? A dureza do militarismo, mas ao mesmo tempo também as revoluções, né, que o militarismo promovia lá na época das marchas de 1922, tentando trazer aí também amor para amaciar essa dureza; tentando trazer outras perspectivas. O losango dos trajes, inclusive, das colombinas, pierrôs, mostrando colorido de se viver numa cidade tão diversificada, tão cosmopolita como é São Paulo. E com a qual a gente também é obrigado a conviver com tanta intolerância, tanta insensibilidade. E, particularmente, esse poema também aparece num livro que eu super recomendo para todo mundo que quer ter uma visão mais ampla da poesia do Mário de Andrade. Não só desse livro, né, mas dos melhores poemas de Mário de Andrade, que é uma antologia organizada pela professora, saudosa, Gilda de Melo e Sousa, que faz um Panorama aí, pegando poemas de vários textos do Mário e vários livros, né? Mas esse particularmente me tocou muito. Achei que seria bastante adequado para essa noite, bastante especial que vocês prepararam aí pra gente.

 

Reynaldo Bessa:

Tá ótimo, tá ótimo. “Losango Caqui” é uma grande uma grande dica, um livro fantástico realmente, com tudo isso que você falou, uma fase do Mario, inclusive, se eu não me engano, em Losango é um trabalho do Di Cavalcante, enfim. Fizeram um trabalho, alguns. É isso mesmo, obrigado, querido.

Sucesso aí, sucesso nas tuas lutas, seus projetos. Muito obrigado por contribuir aqui com o Pois é, Poesia: Arte no Plural. Valeu!

Claudio Caus:

Maravilha, obrigado mais uma vez e sucesso aí para o programa. Vida eterna pra vocês, para o Mário, para todos nós.

 

(Vinheta cantada) Pois É, Poesia


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