Transcrição: Claudio Caus indica "Losango Caqui", de Mário de Andrade
(Vinheta
cantada) Pois É, Poesia
Reynaldo
Bessa:
Agora, o
momento sempre muito aguardado pelos apaixonados do livro, né? A dica de
leitura do Pois É, Poesia. E para isso contamos com o professor Claudio Caus.
Claudio Caus é professor de Língua Portuguesa e Literatura há 25 anos, com
formação em Educomunicação e Letras pela USP. É especialista em obras
literárias dos vestibulares e um apaixonado pela biografia e obra de Mário de
Andrade. Mário de Andrade é apaixonante mesmo. É só começar a ler pra ver, né?
Cláudio Caus, querido, seja bem-vindo.
Chegue aí,
tudo certo?
Claudio Caus:
Opa. Boa
noite, Reynaldo Bessa, tudo bem?
Reynaldo
Bessa:
Tudo bem,
querido, e você?
Claudio Caus:
Tudo joia,
estou me ouvindo bem, né? Eu queria agradecer aí o convite, honrado por
participar com tanta gente aí ilustre, que inclusive me trouxe muitos
conhecimentos, porque a obra do Mário é tão vasta, tão encantadora, que a gente
nunca se cansa de aprender coisas novas sobre ele e querer descobrir cada vez
mais, né? Explorar cada vez mais a herança que deixou.
É difícil recomendar
uma obra do Mário. E ainda mais, selecionar um trecho para fazer uma leitura,
né? Mas desafio aceito:
Difícil texto
do nulo contemplo todos os ângulos ao mesmo tempo. E aí, o Mário é aquele do
armário, armário de mantimentos emotivos, de manter mentes criativas, de meter
o louco subversivo em domínio público nas bibliotecas, na internet. Vocês não
me faltem. Mário do Macunaíma, herói sem nenhum caráter, de malícia ingênua, malemolência?
Brasileiria
em construção, contraditório, multiétnico, lutando ingloriamente contra o
multiculturalismo em pena de galhofa, pois é poesia libertária e libertina.
Desde o livro “Há uma Gota de Sangue em Cada Poema”, em tinta de melancolia
contra a realidade opressiva, passando pelo “Pauliceia Desvirada”, Sampa-SP.
Versos livres transitando na cidade caótica, caliente, robótica, cosmopolita até
o “Losângo Caqui” anti dureza militar no amor que é macia, árvore da qual colhi
a seguinte poesia, em que o papa do modernismo assim se autorretrata em
amálgama à metrópole macota, no capítulo número 17:
“Mário de
Andrade, intransigente pacifista, internacionalista amador, comunica aos
camaradas que bem contravontade, apesar da simpatia dele por todos os homens da
Terra, dos seus ideais de confraternização universal, é atualmente soldado da
República, defensor interino do Brasil.
E marcho
tempestuoso noturno.
Minha alma cidade das greves sangrentas,
Inferno fogo INFERNO em meu peito,
Insolências blasfêmias bocagens na língua.
Meus olhos
navalhando a vida detestada.
A vista
renasce na manhã bonita.
Pauliceia lá em baixo epiderme áspera
Ambarizada pelo sol vigoroso,
Com o sangue do trabalho correndo nas veias das ruas.
Fumaça bandeirinha.
Torres.
Cheiros.
Barulhos
E fábricas…
Naquela casa mora,
Mora, ponhamos: Guaraciaba…
A dos cabelos fogaréu!…
Os bondes meus amigos íntimos
Que diariamente me acompanham pro trabalho…
Minha casa…
Tudo caiado de novo!
É tão grande a manhã!
É tão bom
respirar!
É tão gostoso gostar da vida!…
A própria dor
é uma Felicidade”.
Valeu, gente.
Obrigado.
Reynaldo
Bessa:
É isso, esse
texto você pegou, esse texto?
Claudio Caus:
Oi, Reynaldo.
Então eu fiz uma brincadeirinha com trechos e referências das obras do Mário de
Andrade, para não deixar nenhuma importante de fora. E olha que ficaram outras,
né? É, e só que a parte em que eu cito, vem do Poema, o número 17 vem do poema
é um poema, né? Do livro “Losângo Caqui”.
Reynaldo
Bessa:
Opa, sim.
Claudio Caus:
Que e escolhi...
escolhi assim porque a gente está aqui em São Paulo, esse calor, essa noite,
essa luta do dia a dia, nessa pulsação sanguínea, essa gana de trabalhar e de
construir, de cuidar de quem a gente ama e de ter esperança todos os dias, mesmo
nos cenários mais adversos, né?
Inclusive o “Losango
Caqui” que é o livro em que o Mário de Andrade conversa sobre o militarismo? A dureza
do militarismo, mas ao mesmo tempo também as revoluções, né, que o militarismo
promovia lá na época das marchas de 1922, tentando trazer aí também amor para
amaciar essa dureza; tentando trazer outras perspectivas. O losango dos trajes,
inclusive, das colombinas, pierrôs, mostrando colorido de se viver numa cidade
tão diversificada, tão cosmopolita como é São Paulo. E com a qual a gente
também é obrigado a conviver com tanta intolerância, tanta insensibilidade. E,
particularmente, esse poema também aparece num livro que eu super recomendo
para todo mundo que quer ter uma visão mais ampla da poesia do Mário de
Andrade. Não só desse livro, né, mas dos melhores poemas de Mário de Andrade,
que é uma antologia organizada pela professora, saudosa, Gilda de Melo e Sousa,
que faz um Panorama aí, pegando poemas de vários textos do Mário e vários
livros, né? Mas esse particularmente me tocou muito. Achei que seria bastante
adequado para essa noite, bastante especial que vocês prepararam aí pra gente.
Reynaldo
Bessa:
Tá ótimo, tá
ótimo. “Losango Caqui” é uma grande uma grande dica, um livro fantástico
realmente, com tudo isso que você falou, uma fase do Mario, inclusive, se eu
não me engano, em Losango é um trabalho do Di Cavalcante, enfim. Fizeram um
trabalho, alguns. É isso mesmo, obrigado, querido.
Sucesso aí, sucesso
nas tuas lutas, seus projetos. Muito obrigado por contribuir aqui com o Pois
é, Poesia: Arte no Plural. Valeu!
Claudio Caus:
Maravilha,
obrigado mais uma vez e sucesso aí para o programa. Vida eterna pra vocês, para
o Mário, para todos nós.
(Vinheta
cantada) Pois É, Poesia
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