Transcrição: Jason Tércio fala sobre biografia de Mário de Andrade e a busca pela alma brasileira

Dia 25 de fevereiro de 2025 completam 80 anos da morte de um dos maiores intérpretes do Brasil, Mário de Andrade. 

Sobre a poesia, Mário de Andrade afirmou o seguinte: “a poesia deve conter o máximo de lirismo e o máximo de crítica para assegurar o máximo de expressão. Todo poema é inicialmente apenas lírico. O lirismo é um estado afetivo sublime, vizinho da sublime loucura. O verso começa com uma força descontrolada e desmaio. Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que o meu inconsciente me grita”. 

Para falar sobre esses aspectos da vida de Mário de Andrade, na 7ª transmissão ao vivo do podcast Pois é, Poesia: Arte no Plural, Reynaldo Bessa conversa com Jason Tércio. Jornalista pela Universidade Gama Filho, trabalhou e colaborou em diferentes veículos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, como Jornal do Brasil, o Globo e Movimento, além de 4 anos na BBC de Londres, como produtor e apresentador de programas. 

Em 2019, publicou a biografia “Em busca da Alma Brasileira”, uma biografia de Mário de Andrade, sobre o ícone da vanguarda modernista brasileira. Por este livro, o texto ganhou o prêmio APCA de literatura em 2019, na categoria “biografia, autobiografia, memória”.



Acompanhe a transcrição da entrevista:

(Vinheta) Pois é, pois é. Pois é, poesia. Poesia há. Ou não.

 

Reynaldo Bessa:

Dia 25 de fevereiro de 2025 completam 80 anos da morte de um dos maiores intérpretes do Brasil, Mário de Andrade. Mário Raul de Morais Andrade nasceu na cidade de São Paulo em 1893, onde faleceu em 1945, aos 51 anos, em plena atividade artística.

Quem o conhece apenas como poeta, Mário, além de figura de proa do modernismo, foi musicista, ensaísta, cronista, jornalista, poeta, contista, romancista, dramaturgo, crítico de literatura, professor de piano, pesquisador da cultura popular. Foi também administrador público - dirigiu o departamento de cultura da municipalidade paulistana, mais tarde, Secretaria Municipal da Cultura. Nesse departamento surgiu a ideia de criar uma biblioteca que servisse como depositária de toda a história cultural da cidade. Em 1960, essa biblioteca municipal paulistana, a segunda maior do país, vale ressaltar, recebeu o nome de quem? De Mário de Andrade.

Na escrita, Mário estreou em 1917 com o livro “Há uma Gota de Sangue em Cada Poema”, bancado do próprio bolso. Em 1922, veio com o “Paulicéia Desvairada”, seu primeiro livro publicado já no movimento modernista. De toda a sua obra, o livro mais conhecido é a rapsódia “Macunaíma”, mas ele escreveu também “Amar, Verbo Intransitivo”, “Ensaio sobre a Música Brasileira”, “Lira Paulistana” e muitos, muitos outros. Sobre a poesia, Mário de Andrade afirmou o seguinte: “a poesia deve conter o máximo de lirismo e o máximo de crítica para assegurar o máximo de expressão. Todo poema é inicialmente apenas lírico. O lirismo é um estado afetivo sublime, vizinho da sublime loucura. O verso começa com uma força descontrolada e desmaio. Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que o meu inconsciente me grita”.

Eu sou Reynaldo Bessa, poeta, escritor, músico e professor. E este é o Pois é, Poesia: Arte no Plural.

Vamos ao nosso primeiro convidado. É o Jason Tércio, né?

Jornalista pela Universidade Gama Filho, trabalhou e colaborou em diferentes veículos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, como Jornal do Brasil, o Globo e Movimento, além de 4 anos na BBC de Londres, como produtor e apresentador de programas. Organizou uma coleção de livros de crônicas de José Carlos de Oliveira, o Carlinhos de Oliveira, e já publicou contos e antologias em jornais e sites literários. Também é tradutor e ganhador de vários prêmios. É autor de vários livros, entre eles o romance “A Pátria que o Pariu”, a biografia “Órfãos da Tempestade - a vida de Carlinhos de Oliveira” - eu falava nele - o romance reportagem “Segredo de Estado - o desaparecimento de Rubens Paiva”, muito bem-vindo por sinal, muito atual aí, né, com “Ainda Estou Aqui”, enfim. E também, ele também, né, Jason Tércio é autor de contos, roteiros de filmes, poemas e peças teatrais, uma delas “Kafka e Lima Barreto jogando Sinuca em Bruzundanga”, transcorrida em 1922.

Em 2019, publicou a biografia “Em busca da Alma Brasileira”, uma biografia de Mário de Andrade, sobre o ícone da vanguarda modernista brasileira. Por este livro, o texto ganhou o prêmio APCA de literatura em 2019, na categoria “biografia, autobiografia, memória”. E é justamente, exatamente sobre esse livro, a biografia de Mário de Andrade, obviamente, que vamos falar. Jason Tércio, querido, seja muito bem-vindo ao Pois É, Poesia. Tudo certo por aí?

 

Jason Tércio:

Tudo certo, Reynaldo. Muito obrigado aí pelo convite para participar do seu programa.

 

Reynaldo Bessa:

Magina. Foi um prazer, eu li sua biografia que você, que o senhor escreveu sobre o Mário de Andrade. Li todas as biografias, agora, que eu pude alcançar e percebi na sua, né, que ali está completo o Mário artista, está lá o Mário homem com seus conflitos existenciais, com as suas buscas em todos os sentidos, tanto como ser humano, como homem, como artista, né? Uma biografia completa. Parabéns!

Eu vou fazer uma primeira pergunta. Numa de suas entrevistas, o senhor disse que, durante o processo de redação da biografia de Mário de Andrade, enquanto mais pesquisava, mais ficava animado. O que era esse ânimo? Descobriu o Mário inédito, várias lacunas e equívocos na história há muito contada. Enfim, o que exatamente o animava?

 

Jason Tércio:

Bom, quando eu comecei a escrever a biografia do Mário de Andrade, eu tinha uma ideia muito vaga do que eu ia encontrar, né? Isso é muito comum acontecer quando se começa a pesquisar uma determinada vida, principalmente uma vida tão intensa como foi a do Mário de Andrade, né? Porque ele não é apenas um grande intelectual, mas teve uma vida também pessoal, muito movimentada. E acontecia o seguinte, como nunca foi escrito um livro contando a história do modernismo brasileiro, e, aliás, eu quero destacar aqui que essa é a maior lacuna do modernismo brasileiro... é ausência de um livro contando a história do movimento. Então eu me deparei com muitos erros, entende, muitos erros, muitos equívocos que constavam na historiografia disponível no mercado, não só em forma de livros publicados, em ensaios, também trabalhos acadêmicos, muitos textos da internet. Então, parecia que todos repetiam a mesma narrativa, entendeu?

Então eu fiquei agradavelmente surpreso. Porque eu pesquisei as fontes primárias, mas eu não me contentei em pesquisar apenas as fontes secundárias e os livros disponíveis. E olha que a vida do Mário de Andrade ela já foi analisada por centenas de pesquisadores, né? Eu Acredito até que o Mário talvez seja o segundo escritor mais analisado no Brasil, depois do Machado de Assis. Então, ao consultar fontes primárias, arquivos nunca antes consultados, eu fui descobrindo muitas coisas interessantes e para minha surpresa também, né, porque desde pequenas coisinhas simples, como por exemplo, que o Teatro Municipal foi alugado para a Semana de Arte Moderna, quando na verdade não foi alugado, foi cedido. Até coisas mais graves também, como de que a burguesia paulista financiou o movimento modernista, entendeu? Então, essas coisas todas me animaram bastante. Ao mesmo tempo, fizeram com que o trabalho de escrita do livro demorasse tanto tempo, né? Eu demorei quase 10 anos, porque eu não tinha pressa, eu não estava trabalhando com um deadline, né, um prazo específico para nenhuma editora. Então eu queria realmente fundo fazer uma biografia da qual o Mário não se envergonhasse.

 

Reynaldo Bessa:

Eu achei muito interessante essa parte, inclusive, porque é aquela coisa, como que um movimento moderno, que pretende ser acessível ao povo em si, numa linguagem muito brasileira, é patrocinado pela elite? E é verdade, vi isso aí na sua biografia e disse que não foi bem assim, né? É, foi realmente a... a história realmente é outra, né?

 

Jason Tércio:

É, essa é uma verdade, eu até fiz uma palestra sobre especificamente, sobre esse tema na casa Mário de Andrade, porque  toda a historiografia do movimento modernista diz isso, que o movimento foi protegido, digamos, e financiado por uma parte da oligarquia cafeicultora de São Paulo; que o movimento sem essas elites, o movimento nem teria existido. Tem um texto que diz até isso. O José Guilherme Merquior, por exemplo, que é um grande crítico falecido, grande crítico literário, disse que o Modernismo nasceu no Salão dos Prados e dos Penteados, que é o sobrenome de duas famílias quatrocentonas de São Paulo. Então eu fiquei realmente espantado. E até hoje, se alguém consultar no Google Movimento Modernista/mecenas, vai aparecer o nome de pessoas ali, como Paulo Prado, Freitas Vale etc, como tendo sido mecenas, é financiadores do Modernismo, quando, na verdade, não é nada disso. Claro, eu poderia dar detalhes aqui porque que eu cheguei à essa conclusão, mas isso daí já demoraria no mínimo uma meia hora para contar.

 

Reynaldo Bessa:

Claro, claro. Eu vi lá que as críticas foram realmente virulentas, né, das pessoas que não entendiam o movimento, não concordavam. Mas, Jason, é o seguinte, uma outra pergunta: Augusto de Almeida Filho, numa conferência em 1942, saudando o Mário de Andrade, disse: “Macunaíma é a projeção lírica do sentimento brasileiro, é a alma do Brasil virgem, desconhecida, se revelando. São as lendas do povo, é a poesia, o encantamento da terra e do homem brasileiro”. Eu pergunto, Jason, Mário de Andrade não encontrou a alma brasileira ao escrever o seu rapsódico “Macunaíma”?

 

Jason Tércio:

Bom, uma vez ele escreveu alguma carta ao Carlos Drummond de Andrade, antes de escrever “Macunaíma”, dizendo o seguinte, nós precisamos dar uma alma ao Brasil. Ou seja, ele era um brasileiro visceral. Eu diria até que a profissão do Mário de Andrade era brasileiro. Pode-se dizer, Mário de Andrade, profissão brasileiro. E ele aprofundou esse interesse pelo Brasil que ele, aliás, é preciso voltar um pouco no tempo, porque em 1919, portanto, três anos antes da Semana, ele já era um jovem profundamente interessado na cultura brasileira. Nesse ano, ele fez uma viagem a Ouro Preto e Mariana para fazer uma pesquisa sobre a arte barroca brasileira e depois foi a Mariana também. Então, nesse ano, ele já começou a colecionar várias coisas sobre o Brasil: folhetos, objetos etc. Então, o interesse dele pelo Brasil já vem desde essa época e quando ele fez as viagens pelo Brasil, que foi um dos grandes momentos na vida dele, ele pôde aprofundar mais esse conhecimento, não é? Ele fez viagens, por exemplo, ao Amazonas, à Amazônia, na verdade, durante quatro meses, fez uma viagem de dois meses ao Nordeste, percorrendo vários Estados. Fez uma viagem também a Minas Gerais com um grupo de Modernistas, né? Então, nessas viagens, ele fez uma pesquisa profunda, inclusive na viagem à Amazônia foi muito útil também porque justamente ele concluiu as pesquisas dele sobre Macunaíma, que era um livro que ele já tinha escrito, na verdade, e estava na fase assim de correções etc, e aí ele fez a viagem à Amazônia. Então ele completou, inclusive incluiu a lenda da Iara, por exemplo, né, no final do livro. Então, as viagens dele pelo Brasil em geral e a temporada dele no Rio de Janeiro também foi tudo muito útil para que ele tentasse descobrir essa alma brasileira, né? E, na verdade, eu acredito que ele nunca tenha conseguido. Porque no final da vida ele estava muito desiludido, na verdade. É uma coisa que acomete muitos intelectuais brasileiros, né? O Euclides da Cunha também no final da vida estava muito desencantado, muito amargurado. E o Mário de Andrade também, né? Então, mas, de qualquer maneira, ele deixou esse livro aí antológico, né, que é o Macunaíma, não só esse, evidentemente, mas dezenas de outros livros, tanto é que ele em vida, ele publicou 25 livros, né? Mas hoje existem mais de 50 livros, porque ele deixou muito textos inéditos e também muita correspondência, né? Ele se correspondia com várias pessoas de todo o Brasil. Então, hoje em dia existem cerca de 50 livros ou mais do Mário de Andrade, abrangendo vários temas, literatura, área de ficção, poesia, contos, crônicas, ensaios sobre artes plásticas, sobre, enfim, folclore, música popular, enfim, a obra do Mário de Andrade acho que deveria ser leitura obrigatória para todo estudante a partir já do primeiro período mesmo da escola, eu acredito.

 

Reynaldo Bessa:

Sim. Mário conversou, se comunicou com grandes, no caso, Câmara Cascudo, que é meu conterrâneo, né? Diógenes da Cunha Lima, na biografia de Câmara Cascudo, um brasileiro feliz, diz que só existem duas grandes presenças no Rio Grande do Norte, o Oceano Atlântico e Câmara Cascudo, né? Bom, agora só tem agora o Oceano Atlântico, mas a presença do Cascudo permanece lá, essa obra maravilhosa.

Jason, numa revisão anos depois sobre o Modernismo, Mário de Andrade levantou três princípios:

1- o direito permanente à pesquisa estética,

2- a nacionalização da produção artística.

Nesses dois, segundo Mário, o modernismo foi bem-sucedido. Mas no terceiro princípio, que é: a atualização da inteligência artística, não se concretizou, segundo Mário.

Ele afirma isso porque destaca que a atualização da inteligência artística era eminentemente, política, e os modernistas não a enfrentaram com as armas que ela exigia.  Procede? O que você pensa sobre isso?

Palavras do Mário, não é?

 

Jason Tércio:

Sim, eu concordo, porque essa é, aliás, me parece ser, a grande contradição do Movimento Modernista brasileiro. Ou seja, eles queriam modernizar a cultura, modernizar o Brasil através da cultura, mas sem mexer na política, porque a política brasileira da época, na República Velha, era uma política muito atrasada, né? Ou seja, não havia voto secreto, as oligarquias é que se revezavam no poder, 70% da população era de analfabetos, para se ter uma ideia, em 1922. É, então havia vários... a economia dependia puramente da exportação de café. Então, na verdade, acho que o artista, seja ele de qualquer área, ele não tem obrigação, evidentemente, de se envolver em política, né? Aliás, como diz um personagem do Glauber Rocha no Terra em Transe, ele diz: a política e a poesia são demais para um só homem. Então, o artista, ele já enfrenta uma série de conflitos, a própria angústia da criação, a angústia da incompreensão, às vezes do público e da crítica etc, então, ele não tem nada a ver com a política partidária, a política militante, porque isso já é outra atividade que exige muito da pessoa, né? E os Modernistas, eles pertenciam a maioria à classe média. Tinham dois ou três que eram da alta burguesia, como Tarsila, Oswald de Andrade e tal. Mas eles eram da classe média, uma classe média ascendente que estava começando a emergir no Brasil. Então, eles não, evidentemente... Primeiro que se eles fossem questionar o paradigma político da época, eles seriam simplesmente defenestrados, né? Seriam ignorados e ninguém levaria eles a sério, porque era minoria. Então eles não se preocuparam realmente em se envolver com política.

Eu acho que a autocrítica que o Mário de Andrade fez nessa conferência de 42 sobre... Ele coloca como um defeito, né, dos modernistas não terem se preocupado com a política, mas eu acredito que não. Eles não precisavam se envolver com política. Na verdade, quem deveria se envolver com política eram os partidos, movimentos sociais, o movimento operário que estava emergindo na época, né? Agora, até hoje, e nisso eu concordo muito mesmo com o Mário. Não é só até a época que ele escreveu isso, que o Brasil não tinha se modernizado. Até hoje, o Brasil ainda não se modernizou, exceto culturalmente. Assim como durante o Modernismo, o movimento, o Brasil se modernizou culturalmente, mas continua atrasado política e economicamente, hoje, continua ainda evoluído culturalmente, porque nós temos uma cultura que é bastante reconhecida mundialmente, é uma cultura cosmopolita e nacional, ao mesmo tempo em que explora diversas dimensões, né, do folclore, da sociedade brasileira etc., da vida urbana e tudo em todas as áreas, né? Na música, na literatura, mas politicamente nós temos ainda muitos defeitos ainda da República Velha, tanto é que eu considero... os Modernistas criticavam a literatura conservadora da época, que era o Parnasianismo, né? Então, eu considero que hoje o Brasil ainda tem um estado parnasiano, entendeu? E um estado que não se modernizou. Tanto é que, na época do Mário de Andrade, o principal produto de exportação do Brasil era um produto agrícola, o café. E hoje, mais de 100 anos depois, o principal produto de exportação do Brasil é um produto agrícola, a soja. Por aí você tem uma ideia de que economicamente o Brasil continua, aliás, como em 1500 e pouco, que tivemos o ciclo do Pau Brasil, né? Então, nesse aspecto, eu acho que o Brasil ainda falta mexer muito, tanto é que na época do Mário de Andrade, por exemplo, nós imitávamos a França, hoje imitamos os Estados Unidos. Então, a identidade brasileira ainda é algo assim, muito indefinido, né? Muito... falta ser alcançada ainda, eu acredito.

 

Reynaldo Bessa:

Sim, Mário de Andrade, costumava dizer que a arte em si já traz essa função social, esse embate.

 

Jason Tércio:

Então, só concluir, daí a importância, grande importância da obra do Mário de Andrade, né? Quanto mais se reconhece esses problemas e limitações brasileiras, mais necessário se torna ler ou reler Mário de Andrade.

 

Reynaldo Bessa:

Sim, essa pergunta agora, Jason, é pergunta retórica, porque não importa quem foi a pessoa, né? Uma pergunta para realmente incitar a discussão que eu acho inclusive muito divertida. Sobre quem primeiro teve a ideia de proclamar a independência cultural que culminou na Semana de Arte Moderna, não nos remete a fábula dos cegos apalpando o elefante? Quer dizer, Menotti disse que tudo começou no seu encontro com Oswald. Renato Almeida disse que foi ideia de Graça Aranha. Manuel Bandeira corrobora. Renato Mário, num primeiro momento, disse que foi coisa de Di Cavalcante. Depois corrigiu, dizendo que a ideia foi de Paulo Prado. Até a amante de Graça Aranha puxou um pedaço dessa pizza para ela. Bom, a Semana de Arte Moderna de 22 foi mesmo uma filha de muitos pais, Jason?

 

Jason Tércio:

É, exatamente, essa fase que eu uso no livro, né? Porque é o seguinte, todo movimento assim, de grande dimensão, né? Seja política, cultural, bom, ele sempre tem vários mentores, vários arquitetos. No caso do Modernismo, houve uma ideia lá, uma sugestão que o Di Cavalcante deu, de fazer uma grande exposição de arte, mas uma simples exposição, na verdade, de artes plásticas, em comemoração ao Centenário da Independência, né? Porque o Rio de Janeiro ia fazer vários eventos, era a capital do país etc. E em São Paulo, as comemorações estavam muito mixurucas. E aí ele propôs isso. Agora, a partir daí é que surge... As conversas foram evoluindo. E aí começou também a fazer a haver contatos com o Paulo Prado também, que era ligado ao Oswald de Andrade. Então, aí sim, aí começou a se arquitetar a Semana em si. Agora realmente não teve uma pessoa. Agora, a Semana foi resultado, como todo movimento cultural, de um espírito do tempo, né? Porque, na verdade, o Brasil estava até atrasado já, porque as vanguardas europeias tinham começado no início do século vinte, né? O Futurismo foi o primeiro movimento de vanguarda que ocorreu no começo do século vinte na Itália, né? E depois se espalhou pelo mundo. Depois veio o Cubismo, na França, a partir da obra do Picasso. Depois veio o Dadaísmo, né, já em 1916, então, o Brasil estava já bastante atrasado nessa atualização, digamos, do pensamento estético moderno. Então, foi uma conjunção de fatores, né? Porque o Brasil já tinha algumas coisas modernas, né? Por exemplo, em termos de maquinário, tinha já avião, telefone, os famosos signos, né, da modernidade da época, o Brasil já tinha, embora em menor quantidade do que na Europa, que era um país pobre e tal. Agora nós tínhamos esses elementos, mas aí, em termos culturais, ainda estavam bastante defasados, porque havia uma grande dificuldade também de comunicação. A gente não deve esquecer que na época as comunicações eram muito precárias, não havia nem possibilidade de um telefonema Internacional ainda na década de vinte, né? Então era... o Brasil era muito... só se informava através de revistas, publicações. Então, o modernismo foi esse reflexo de um momento mundial. Além de acontecimentos políticos que ocorreram. Por exemplo, em 22, houve, além da Semana, houve a fundação do Partido Comunista, houve o Centenário da Independência, houve um movimento do Levante dos 18 do Forte. Enfim, esse conjunto de fatores é que contribuiu para a eclosão do movimento modernista.

 

Reynaldo Bessa:

É no caso, né? a ideia do Manifesto Futurista? A velocidade, o trem, eletricidade... que, enfim.

Tércio, para encerrar, Mário trabalhou em várias frentes, né? Então, mesmo que você respondeu, mas você pode reforçar isso. Na sua concepção, de todas as contribuições de Mário de Andrade para a cultura brasileira, qual a que reverbera até hoje nesses 80 anos de morte do autor paulistano? Essa que ficou ali, que está ali, que é imprescindível?

 

Jason Tércio:

Olha, antes de dizer isso, eu quero dizer o seguinte, apesar de toda a grandeza intelectual do Mário de Andrade, ele que foi o mais paulistano dos escritores, né? O único, inclusive, que escreveu o primeiro livro depois e o segundo livro de poesia dele, Paulicéia Desvairada. Ele não é ainda até hoje reconhecido devidamente em São Paulo. E eu digo isso porque ele... simplesmente não existe uma estátua, entendeu? O busto que havia dele em frente à Biblioteca Nacional, a biblioteca Mário de Andrade, foi colocado lá dentro. Então existe uma rua no bairro Barra Funda, existe a biblioteca Mário de Andrade, porque evidentemente foi ele que fundou, né, quando ele era chefe de Departamento. E existe também esse busto e tal, mas por exemplo, Villa-Lobos, curiosamente, que era carioca, nunca morou em São Paulo, ele é nome de shopping. Existe em São Paulo, Shopping Villa-Lobos, parque Villa-Lobos, metrô, estação de metrô Villa-Lobos. E Avenida Villa-lobos, ou seja, o Villa-Lobos é mais reconhecido em São Paulo como modernista do que o Mário de Andrade. E a gente sabe que monumentos, estátuas, nomes de logradouros públicos têm um valor simbólico muito importante, né? Representam o reconhecimento de uma sociedade em relação aos seus artistas. Isso reforça a identidade cultural do país, enfim, então eu queria deixar isso bem claro.

Agora, em relação ao grande... ao ponto mais importante que você mencionou, eu acredito que foi como ficcionista, né? Além de Macunaíma, que é uma obra, apesar de ter trechos muito difíceis, né, como o Grande Sertão, Veredas, do Guimarães Rosa, é uma obra assim que é preciso ler e reler várias vezes para se saborear, de preferência em voz alta. E além desse livro, ele tem também contos maravilhosos, né? O livro de contos chamado Contos Novos também muito bom, os livros de poesia dele também são muito bons. O Paulicéia Desvairada, o Remate de Males, que tem aquela famosa frase “eu sou 300, eu sou 350”. Evidentemente os ensaios de não-ficção, os ensaios dele sobre cultura brasileira. Eu acho que deveria ser leitura obrigatória nas escolas.

 

Reynaldo Bessa:

Maravilha, ficam aí duas grandes dicas de livro, né? Macunaíma e Contos Novos, eu os conheço e realmente é uma grande dica. Aqui no Pois é, Poesia tem muitos alunos de ensino médio, universitários, essas dicas são muito importantes para justamente conhecer Mário de Andrade e poder fazer jus a esse nome, porque quem conhece as biografias, quem lê, percebe um Mário que vai crescendo, vai crescendo... Geralmente as pessoas vão lá pra Oswald de Andrade, enfim. Mas quando lê e percebe que o Mário tem uma grandeza, né, vai tomando toda a narrativa, enfim, toda a história... Tá certo?

Jason Tércio, meu querido, muito obrigado pelas tuas palavras, pela contribuição aqui. Foi grandioso, foi maravilhoso. Se eu pudesse, ficaríamos aqui o tempo todo falando, conversando com você. Muito obrigado e sucesso aí nas suas empreitadas, nas tuas, os teus livros, enfim, na tua vida, tá bom?

 

Jason Tércio:

Ok, muito obrigado, Reynaldo, foi um grande prazer também falar um pouco contigo aí.

 

Reynaldo Bessa:

Maravilha, maravilha.

 

(Vinheta cantada)

Pois é, pois é. Pois é, poesia. Poesia há. Ou não.


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