Transcrição: entrevista de Pedro Bandeira para o Pois É, Poesia
A transcrição a seguir é parte das entrevistas do podcast "Pois É, Poesia: Arte no Plural", disponível no Youtube, Youtube Music e Spotify. A apresentação é de Reynaldo Bessa e a produção, de Deborah Izola (Narrativas Sonoras) e Marcelo Abud (Peças Raras). O apoio é da Zanzar Produtora.
A conversa com Pedro Bandeira pode ser assistida neste link.
Arte da capa do episódio do podcast Pois É, Poesia no youtube.com/@PoisePoesia |
Reynaldo Bessa
E o tema hoje é “Literatura Infantil/Juvenil: o fabuloso
mundo da leitura”.
Eu sou Reynaldo Bessa, músico, escritor, poeta e professor e
este é o Pois É, Poesia: Arte no Plural.
E vamos começar e já vou chamar o nosso primeiro convidado.
Ele é o autor... Vejam bem, escutem, ele é o autor... Pedro Bandeira!
Pedro Bandeira é escritor, jornalista, ator. Tem sua obra
literária voltada para o público infantojuvenil. É reconhecido pela série
narrativa “Os Karas”, destinada a adolescentes. Além de ganhar o Prêmio Jabuti
em 1986, com a obra “O Fantástico Mistério de Feiurinha”, Bandeira recebeu o
troféu APCA, o Prêmio Adolfo Aizen, o da Academia Brasileira de Letras e da
União Brasileira de Escritores, além do reconhecimento pela Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Em 2023, foi a Personalidade Literária do
Prêmio Jabuti.
“Para escrever literatura infantojuvenil, estudei pedagogia
e psicologia”, é o que diz o autor. Pedro Bandeira, querido, seja muito
bem-vindo ao, Pois é, Poesia. Tudo bem?
Pedro Bandeira
Tudo muito bem, querido, muito bem, Reynaldo. Puxa, poder
falar com você é uma honra. Tá?
Você já me apresentou e eu queria falar, já que o programa
também foca em poesia, que eu faço textos, mas eu também, para me dirigir à
criança menor e principalmente para a criança que foi alfabetizada, mas não foi
ainda letrada, eu passei a fazer versos. Eu não sei se é poesia, mas fazer
versos para eles. E eu entendi que o verso feito para uma criança não pode ser
um velho falando com o leitor, tem que ser o leitor falando consigo mesmo.
Então eu faço sempre na primeira pessoa, como se fosse o meu
leitor, tivesse 7 anos, 8 anos, 6 anos, 5 anos. Aquilo que ele sente, quais são
suas emoções, as suas aspirações. Não é?
E sempre eu uso, você que é poeta sabe isso, eu geralmente
uso a redondilha maior, porque a redondilha de 7 sílabas, ela é o natural da
respiração.
(recitando) “Batatinha quando nasce, (respira) esparrama
pelo chão. (respira) Menininha quando dorme”, você vê, você toma o ar enquanto
você declama. Isso ajuda a criança que está sendo letrada a ler com mais
facilidade.
A prosa, para uma criança que está ainda se alfabetizada, é
mais difícil, porque a prosa não traz em si a musicalidade da língua falada,
não traz em si toda a possibilidade de respirar. Então, a criança muitas vezes
lê pausando na hora errada e ignorando uma vírgula ou um ponto. Então, a poesia
ajuda. Eu faço também poesia pra, principalmente para os menores, para ajudá-los
à compreensão leitora, que é o que nós precisamos neste país. Depois, quando
eles entram no juvenil, aí eu posso realmente fazer uma prosa, porque espero
que eles já tenham sido bem letrados, embora, Reynaldo, a gente saiba que
muitas vezes nas pesquisas adolescentes de 15 anos demonstram que não conseguem
entender um pequeno texto e fazer um pequeno bilhete. É o que faz o Brasil
estar por trás.
Reynaldo Bessa
Maravilha, Pedro, a honra de é nossa de recebê-lo aqui, a
honra é da produção do Pois é, Poesia. Eu já conheço muito seu trabalho e agora
vamos assistir agora juntos, né? Um vídeo bem curtinho, porque nele tem uma
pergunta para você, OK? Aí a gente conversa já, já.
Pedro Bandeira
OK.
Marcelo Abud
Sobre Pedro Bandeira, tem alguma coisa que você lembra de
ter lido e você teria uma pergunta para ele, ele vai participar?
Paulo Trani
(surpreso) Ele vai participar? Não sei, acho que uma
pergunta para ele é: O que que ele, nesse mundo aí que a gente está vivendo,
com essas tecnologias... Até estava pegando aqui, a gente tenta se educar com
internet, com rede social, com tudo... O que que ele tem achado aí da relação
de infância com rede social, porque é uma transformação muito grande, né? Uma
coisa que a gente não viveu na infância. Que eu tento aí me cercar de cuidados
para poder passar, para que ela passe por isso. Então, qual que é a visão dele
sobre isso? E o que que os pais aí podem fazer para que as crianças também não
sejam tão sugadas por isso, né?
Reynaldo Bessa
Pedro...
Pedro Bandeira
É, pode falar?
Reynaldo Bessa
Sim, mas antes de você responder, eu só quero ressaltar que
quem estava falando era o Paulo trani, um advogado que é pai da Carmela, de 5,
que estava ali do ladinho, né?
Você, Pedro, juntamente com Monteiro Lobato e Ziraldo, foram
os escritores que o Paulo, esse rapaz que estava falando, gostou de conhecer na
infância, entendeu?
Pedro Bandeira
Certo, não, eu vi, estava o nome dele, o nome da Carmela
também. Mas viu Paulinho, eu acho o seguinte, que você, pelo jeito, você criou
bem a Carmela. Você leu historinha quando ela estava no berço, você contou a
história, você pôs no colo. Isso aí é o primeiro ponto.
Nós não podemos ficar achando que a escola pode fazer
tudo. A escola só pode ajudar aquilo que a família terá iniciado. Agora,
sabe Paulo, o problema é que a maioria das famílias brasileiras não faz esse
trabalho. Muitos, porque muitos não têm condição. Nós sabemos que temos ainda um
grande número de analfabetos, adultos analfabetos funcionais, tá?
Eles sabem ler alguma coisinha, mas não são capazes, então têm
poucos vocábulos em sua, em sua memória. Eles não têm toda a capacidade de
pensamento que uma pessoa que leu bastante tem, então eles têm poucas ideias.
Pode ser que ele possa dar atenção às crianças. Por isso que não acontece. Minhas
amigas professoras falam que elas recebem muitas crianças zeradas, tá?
Então, quando você fala de redes sociais, a rede social
não trata do sonho, geralmente trata da realidade, faz aplicações da realidade.
E a fase da criança ser letrada, ser atraída para leitura, são os primeiros
anos naturalmente, tá? E nos primeiros anos ainda a realidade - o realismo - não
faz parte da vida delas, tá? Elas estão numa camada da cebola bem interior, tá?
Elas têm papai, mamãe e tal e elas gostam de, elas ainda estão num momento de
sonhar.
Se você olha no olho dela e diz, ‘olha, a galinha falou para
o pintinho’, ela imediatamente entende a galinha como a sua mamãe e o pintinho
como ela, entendeu? Então ela está vivendo essa parte. Ainda é muito cedo para a
rede social. Eu desaconselho - sou um fã de internet, de todas as
possibilidades que ela nos apresenta, mas isso entra mais tarde.
A criança menor, no máximo, ela pode brincar com o
celular ou computador. Mas acho que o principal celular e computador enquanto a
criança é pequena é a voz da mamãe, é a voz do papai, tá? Se uma criança de
até 10 anos estiver brincando lá de joguinho e o pai chega, ‘filho, vamos lá
fora jogar bola com o papai’. Ele larga imediatamente o celular pra jogar bola
com o papai. Se eu disser para uma criança um pouco menor, falar ‘filhinha, você
está aí fazendo joguinho, vem no colo da mamãe, que a mamãe tem uma história
para te contar’. Ela larga e vai. Porque é muito mais forte. Ela fica no
celular e fica no computador, porque não tem outra opção. Porque a família
fala ‘Que bom, ela está aí. E entendi. É, o meu filhinho está entretido com o
celular, eu vou fazer outra coisa. Então, a gente usa o celular e o
computador como desculpa para nossa pequena atuação na educação de nossos
filhos. Esse é um problema que nós precisamos lutar contra isso. As
professoras lutam muito, eu sei, contam histórias e tal, mas elas entram tarde
demais na vida da criança, conseguem muita coisa, conseguem recuperar e tudo
mais, mas o colo é o primeiro aparelho que tem que se oferecer pra criança.
Ela tem que sentir as emoções dos contos de fada. Os contos de fada falam das
emoções dela. Ela tem medo de... ela é pequenininha e papai e mamãe são tudo.
Então ela morre de medo de um dia não ter papai e mamãe, ser abandonada por
papai e mamãe. Aí a mamãe põe no colo e conta a história do João e Maria, ela
chora, se emociona e purga aquilo pela arte. Eu não vou ser abandonado pela
minha mãe. Eu estou no colinho dela e ela está me contando a história do João e
Maria, que estão sendo abandonados.
Então, as redes sociais podem entrar mais tarde. Na minha
opinião é que a gente permita isso, mas dando outras saídas, tá? Se a criança
não tem outra saída, chega da escola, ninguém falar com ela, ela fica fechada,
ela fica lá, aí tem que fazer lição, realmente ela não tem outra opção. Então
ela vai jogar um joguinho, vai falar com o coleguinha no WhatsApp, qualquer
coisa assim, não é? Mas vamos abrir, para nossos filhos e filhas, um pouco mais
outras opções, porque também, se a tua filha gosta de ficar o dia inteiro
fechada no quarto, lendo, ela está com problema. Do mesmo que estaria com um
problema se ela só ficasse no computador ou no celular, tá? Então, a gente tem
que abrir o mundo inteiro para ela. Ela precisa ler, claro. É bom que ela tenha
um diário, que ela seja capaz de escrever alguma coisa que viu, mas que ela
também brinque com as amigas que ela brinque... O menino vai jogar bola com os
amigos e vá a festas, mais tarde que namore e tal, entendeu? E também que a
vida é ampla. Você não pode fechá la em uma coisa só. E elas estão se
fechando nas redes sociais e no computador e no celular, porque a gente não está
dando outras opções. É o que eu penso.
Reynaldo Bessa
Maravilha. Pedro, eu tenho mais 2 perguntas ainda para você.
Baseado no que você falou agora, quer dizer então que aquela máxima de que a
escola oferece instrução, a educação vem de casa, ainda funciona? Ainda está em
vigor? Deve ser seguida, né? Vamos lá, então, a próxima pergunta: você disse em
uma de suas entrevistas - eu li tudo, viu? - que a sua preocupação é tentar
compreender a alma do ser humano e principalmente a do ser humano em formação,
porque esse ser muda de ano para ano. Poderia me dizer como é a criança hoje?
Quer dizer, quais são as demandas mais urgentes desses pequenos leitores da
atualidade? Você meio que respondeu, se você quiser acrescentar. E se quiser...
Pedro Bandeira
Eu vou acrescentar. Eu vou começar falando da criança do
século 12. A criança do século 12 queria saber, ter certeza que a mamãe e papai
a amam. Então o melhor pra ela era ficar no colo, né? Naquela época, no século
12, século 14, inventaram a história da Branca de Neve e da Cinderela e isso
foi fundamental para ela.
Passados alguns séculos, a gente chega no século 21 e a
criança pequena, ela ainda quer estar certa do amor do pai, do amor da mãe. E
ela não fica certa se o papai sempre traz um presentinho para ela, tá? Você não
compra o amor dela assim, ela precisa, ela quer te ouvir, ela quer saber, ela
quer estar com você no colo, ela quer ser levada a sério, ela quer ser ouvida.
Agora, eu vou falar agora da criança do século 30. A
criança do século 30 vai querer o amor do papai, da mamãe, ouvir histórias para
alimentar suas emoções. Porque a arte, meu querido, você é um artista, você
sabe, ela existe para alimentar nossas emoções. Tudo o que um poeta ou um
escritor coloca no papel, tudo o que um diretor de cinema põe na tela é alguma
coisa para tocar e conversar sobre as emoções do espectador.
Fora filmes muito comerciais, muito sem coisa, mas um filme sério,
uma festa de teatro interessante, vai falar da de emoções que eu tenho. Muitas
vezes eu choro assim ouvindo uma atriz, eu choro. Choro por quê? Porque eu sei
que ela tá brincando com as minhas emoções. E quando acaba aquilo, eu já estou
tranquilo. Eu posso até enxugar minhas lágrimas, mas eu aprendi alguma coisa
nova, da maneira que ela estava contando... uma emoção humana, tudo são
emoções humanas.
Você pegou o nosso Drummond, mas pega qualquer um, você
pega até o grande Chico Buarque de Holanda ou qualquer outro poeta, Vinícius,
você, todos falam de emoções humanas, tá? Então falam para a gente trabalhar.
Eu não preciso ter feito um, cometido um crime grave, sabe, para saber o que é
o remorso, se eu tiver lido “O crime e Castigo”, do Dostoiévski. Eu não preciso
ter problemas no meu casamento se eu, li “Dom Casmurro” e descobri tanto quanto
o ciúme pode destruir a felicidade de uma família ou Otelo, né, do Shakespeare.
Então, sabe, por que é que Shakespeare é importante até hoje? Mas ele escreveu
no século 16, caramba. Ei, como é que é, no século 15, 16, não é, que ele
passa... Por quê? Por que ainda ele? Porque ele não escreveu sobre os reis e os
problemas do Império Inglês. Ele escreveu sobre emoções, ele escreveu sobre
ciúme, sobre o amor impossível, a coisa que mais acontece a vida inteira, tá? E
Romeu e Julieta? Escreveu sobre a grande dúvida de Hamlet. Escreveu sobre a
ambição descontrolada em Ricardo III, o Macbeth, e assim vai, sobre a velhice
abandonada, escreveu com King Lear, tá? E eu até hoje, você vê as peças dele ou
lê as peças dele e se maravilha, talvez você tem que ser um bom leitor para ler
as peças dele, porque ele escreve em versos alexandrinos longos demais, tá,
então você tem que ter sido um bom leitor para curtir o que ele põe, mas o
conteúdo é atual, e será atual no século 30.
Reynaldo Bessa
Maravilha! É isso mesmo! As demandas são as mesmas não
importam quando.
Pedro, a Eliana Yunes e Glória Pondé - você conhece muito
bem - em seu livro Leitura e Leituras da Literatura Infantil, afirmam que há um
evidente e progressivo desgosto pela leitura a partir da escola, que no Brasil
representa o canal mais constante da relação com o livro, né?
Então eu pergunto, Pedro, isso é um problemão, dado que as
escolas são responsáveis pela adoção de grande parte da produção dos livros
infantis? Ou seja, são produzidos em média 400 milhões de livros e 17% desse
montante, o equivalente a 68 milhões de livros, são destinados ao universo da
literatura para as infâncias, quer dizer, essa tríade Mercado, Livro, escola,
leitores é fundamental no processo de formação do leitor brasileiro, mas também
do mercado. Então é um problema? Não é isso mesmo?
Pedro Bandeira
Não, a escola é a solução para uma sociedade que não
cuida da formação do seu filho. Olha, você até falou, Reynaldo, no início,
que eu procuro, procurei durante toda a minha carreira, compreender as várias
fases de desenvolvimento do ser humano. Até na barriga da mamãe, você sabe
disso, né? Que a criança ouve. Mas vamos pegar do nascimento até o fim da
adolescência, o ser humano está mudando, mudando, mudando, mudando. Então se eu
quero falar com uma criança de 4 aninhos que entrou aqui, eu vou falar ‘Ai queridinha,
bonitinho o seu vestido. Cadê mamãe?’ Vou falar que nem um idiota com ela. Se
entrar um garotão aqui, fala ‘aí, campeão, hein? Qual é o teu time? Você torce
para que time? Qual é a tua banda predileta?’, não é? Mas se entrar aqui o
embaixador da Transilvânia, eu tenho ‘excelência, que grato prazer encontra-lo’,
não é verdade?
Então a gente adequa a linguagem ao status do ouvinte, só
que o status do ouvinte é o momento do desenvolvimento dele. Então se escrevo
para adolescente, eu tenho que fazer personagens fortes para que o leitor, a
leitura se espelhem nesse personagem, tá? Fala, ‘olha, eu sou assim’. Um
livro tem que ser um espelho, onde o leitor se veja lá dentro, principalmente
para o ser humano em desenvolvimento. Depois que você se desenvolveu, o
problema é teu. Então realmente você tem, não é tão ah, você pode realmente ler
coisas que não tenham nem falem do teu, do teu estado emocional. Pode ler teoria
e política, o que for, não é, história, mas, veja, então a escola entra, veja,
mas nós temos um professor mal pago, mal treinado, as faculdades são muito
fracas, elas ficam falando em teorias. A moça, a menina, vai estudar
pedagogia, ficam mandando a biografia dos vários grandes criadores da
pedagogia, né? Olha, ele nasceu em tal lugar e não sei o quê. Mas não fala em
criança? São velhos professores que estão lá que não estão na sala de aula e
que não falam em criança.
Por exemplo, você faz um curso de ciências na faculdade e
vai dar aula de ciência para o quinto ano. Ninguém falou o que é uma criança de
quinto ano, como é que ele pode ter interesse pelas ciências. Muitos são
talentosos e conseguem eles mesmos criar - a maioria é assim, tá? - criar uma
maneira de tornar a matéria dele mais interessante, entendendo melhor o tipo, o
grupo de alunos que ele tem na frente. Na idade 12, sei lá, 10 anos, já eles
aprendem e conseguem, mas no caso da leitura, veja, a criança chega zerada na
escola. E aí o professor lhe oferece leituras. Alfabetizou, agora vamos para o
letramento. E o letramento o que que é? É como que se obtém a bela
compreensão da língua. Do mesmo modo que eu aprendo a tocar piano, tocando
piano, então eu só aprendo a ler, lendo, né? Eu só aprendo a escrever se eu
escrever bastante, se eu treinar a minha escrita?
Muito bem, mas a criança chega muito zerado. Ela talvez
tenha ganho muitos presentes em casa nas classes melhores e tenha e ganhe
presentes no Natal e certamente já ganhou um celularzinho e tudo mais. Mas
realmente não ganha livros e, se ganhar livros, fica de lado. O livro não vai
ser aberto pela mamãe, pra ler, e pra criança pequenina, ajuda-la já a ver como
é gostoso, dentro do livro, a gente entender a história. A emoção dos
personagens, tá? E ela não faz isso. Então a criança entra na escola mais tarde
e uma professora não tem condição de colocar 30 crianças no colo ao mesmo
tempo. Essa obrigação é da família, caramba! Você, olhe, não é nem questão de,
talvez, de acesso. Se a família não for letrada, ela pode contar histórias,
inventar histórias, alguma coisa. E você vai dizer ‘não, as histórias serão menos
Fortes’. Não sei. Não importa. É o papai ou a mamãe ou a vovó que está contando
a história. Isso é importantíssimo. É importantíssimo para a criança que está
se formando.
Agora, há também uma dificuldade na escola em saber adotar o
livro certo para aquela idade. Você não pode dizer ‘Esse livro é importante
e as crianças têm que ler!’ Não, os livros não são importantes, os livros são
adequados para ajudar o treinamento, dar conhecimento da língua portuguesa para
essa criança chegar a pelo menos a terceira, quarta série sendo capaz de ler
qualquer livro. No fim do ensino fundamental, ela tem que ler muito bem. Ela já
é capaz.
Você vê, o Carlos Drummond está falando em ler o Robson Crusoé.
Eu acredito que na época dele, ele tenha lido uma tradução literal do Robson Crusoé.
Eu, quando li o Robson Crusoé, era uma adaptação feita pelo Monteiro Lobato.
Ele era muito moralista. Ele tirou todas as coisas que as crianças... Eu adorei
a história e tal, mas não passa pela solidão dele. Todo o resto que está no
Defoe mesmo, ele tirou, né?
Mais tarde, publicaram lá “As aventuras do Sherlock Holmes”
e tiraram toda aquela coisa da cocaína. Entende? Tem um livro dele que termina ‘e
agora – diz o Watson - e agora, Holmes, o que nos resta?’. ‘O que resta é a
ampola de cocaína’. Só que na tradução está: ‘O que me resta é lutar contra o
crime’. Sabe? Então ele botou isso, ele, na época, cocaína...
Reynaldo Bessa
É, no livro da Marisa Lajolo, ela fala dessas adaptações e
fala que há muitas observações com relação a essas adaptações do Lobato, né?
Pedro querido, eu agradeço.
Pedro Bandeira
Deixa eu falar só um pontinho, só um pontinho. O livro
inadequado é o livro que eu acho ótimo. Por exemplo, o livro que eu mais amo é ‘Dom
Casmurro’. Mas eu não deixaria meu filho de 14 anos ler “Dom Casmurro”, porque
ele não vai ter maturidade para entender a genialidade daquele livro. E a gente
faz a criança ler porque é importante, cai no vestibular! Não! Dê o livro que é
importante para o desenvolvimento emocional e para o letramento do teu aluno. O
livro não é tão bom quanto “Dom Casmurro”. Nenhum é tão bom quanto “Dom
Casmurro”. Então o livro inadequado para a idade, isso faz a criança dizer, ‘Ai,
como ler é chato’. Mas muitas vezes ele diz que ler é chato porque ele está
lendo mal, entendendo, ele não fala ‘Ah, eu sou um mau letrado’, ele diz, ‘Ah,
leitura é chata, leitura cansa’, tá? Por quê? Porque ele não treinou leitura,
não foi letrado.
Desculpe essa interrupção.
Reynaldo Bessa
Não, está ótimo! Obrigado mesmo. Sucesso aí nas tuas
empreitadas. Se o senhor quiser ler um trechinho aí de algum texto que o senhor
tenha separado. A gente tem um minutinho aí, se quiser ler...
Pedro Bandeira
Ah, vou pegar, vou pegar. Obrigado. A gente fala que criança
pequena tem que ser bem educada, no entanto, criança pequena não entende, por
exemplo, humor, ela ainda pega as coisas literalmente. Se ele fala assim, ‘sabe,
ô minha sobrinha, quando eu estive na Lua...’. Ele ‘é, tio, você foi para a Lua
mesmo?’, ele não entende. Segundo Piaget,
só lá para os 12 anos que você entende a ironia de uma poesia, pois eu faço
livros assim. Isso é para criança pequena, que está começando a ler.
“O elefante é o cheiroso da floresta. Cheira os jardins e
até cheira os quintais. Com sua tromba para ele tudo é festa. Vive cheirando,
ele cheira até demais. Cheirar perfumes é o que ele quer da vida. Viver
cheirando, para ele, isso é comum. Cheirou a rosa, vai cheirar a margarida, mas
sai correndo quando o cheiro é de pum!”
E aí ela ri, porque se você falar ‘Joãozinho fez xixi na
calça’ (ri) é a maior piada que ela tem, porque ela tá no momento de dominar
seus esfíncteres, né? Aprender a não molhar a cama e coisa assim. Então é
engraçado isso aí. Então tem que saber disso. O pai diz ‘como falar em pum?!’
Eu falo em chulé, sabe, mil coisas. Quer ver? Meleca no nariz, coisas que são,
isso é humor para criança pequena. Claro que você não pode, não adianta dar
esse filho para alguém de 10 anos. Aí, mas eu faço um livro para alguém de 10
anos, tá?
E o professor tem que saber escolher. Se ele escolher
errado, se obrigar “Memórias Póstumas de
Brás Cubas é importante!’, é muito importante, é, é ouro em pó, mas o que é que
você vai dar um livro que não fala ainda para uma criança, não fala para um
adolescente, não fala. Um cadáver já velho, fazendo um balanço de sua vida. E
nas entrelinhas, mostrando como ele era um bobão, um canalha, né? Mas você com
40 anos, você cai de rir e de pensar com esse livro, mas com 15? Opa.
Reynaldo Bessa
Maravilha, Pedro querido, muito obrigado, viu? Muito
obrigado mesmo pelas tua participação, tuas palavras aqui. Tá certo? Até uma
próxima.
Pedro Bandeira
Até uma próxima.
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