Transcrição: A música brasileira de Mário de Andrade, por Biancamaria Binazzi
A 7ª transmissão ao vivo do podcast Pois É, Poesia (confira a íntegra aqui) homenageia o poeta modernista e pesquisador cultural Mário de Andrade. Entre as pessoas convidadas, neste episódio, você acompanha como foi a conversa do apresentador e poeta Reynaldo Bessa com a radialista, podcasteira e produtora cultural Biancamaria Binazzi. No bate-papo, ela fala das expedições de Mário para coletar e catalogar registros da música do povo brasileiro e, também, das transformações no jeito de se ouvir e gravar música vividas pelo poeta.
Acompanhe a transcrição abaixo.
(Vinheta) Pois é, pois é. Pois é, poesia. Poesia há. Ou não.
Reynaldo Bessa:
Pois É, Poesia conta agora com Biancamaria Binazzi ou “Binacci”?
Vamos ver, né? Radialista, “podcasteira” e produtora cultural. Graduada em Rádio
e TV pela Faculdade Cásper Líbero, possui mestrado pelo Instituto de Estudos Brasileiros
(IEB-USP), dentro do programa Culturas Identidades Brasileiras, 2019.
É uma das idealizadoras do Goma-Laca, núcleo de criação e
pesquisas sobre discos brasileiros gravados em 78 rpm tendo assinado a direção,
pesquisa e produção dos discos e shows "Goma-Laca: Afrobrasilidades em 78
rpm"(2014) e "Goma-Laca: Cantos Populares do Brasil de Elsie
Houston" (2019).
Atuou nas rádios Cultura FM, Cultura Brasil, Gazeta AM além
de colaborações para Rádio USP, Rádio Batuta e Rádio Eldorado.
Desde 2004 desenvolve projetos especiais para Discoteca
Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo para programas de rádio, cursos,
rodas de escuta e exposições.
Biancamaria Binazzi. É assim mesmo, “Binazi”, Binzacci”, do italiano?
Biancamaria Binazzi:
Como vocês, Mário de Andrade falaria “Binazi”.
Reynaldo Bessa:
João Sebastião Bá né? Enfim, né?
Biancamaria Binazzi:
Exato, exato, liberdade total.
Reynaldo Bessa:
Então se achega aí pra mode de nós conversá, né?
Biancamaria Binazzi:
E estou muito feliz de estar aqui com vocês, ouvi o Jason, te
ouvi também fazer esse sarau em homenagem a Mário de Andrade.
Reynaldo Bessa:
Está certo. Vamos lá, então. Deixa te fazer uma pergunta, né?
O Mário foi um dos primeiros intelectuais a reconhecer a importância do
folclore como expressão de identidade nacional (eu falava isso com Jason).
Câmara Cascudo, enfim, no grande papo dos dois ali, Câmara Cascudo e Mário,
quando conversavam enquanto escrevia Macunaíma, o Mário no caso, né? Ele viajou
pelo Brasil (o Mário) coletando, registrando e catalogando lendas, danças,
músicas e costumes, conferindo valor cultural histórico a essas manifestações.
Biancamaria, de que maneira essa atuação como pesquisador, documentador e
promotor das tradições populares influenciou a música brasileira? E eu reforço,
há um impacto duradouro em gerações de compositores?
Biancamaria Binazzi:
Poxa, muito boa... Acho que tem muitas possíveis camadas. A
gente pode falar dessa influência até hoje, né, a música brasileira que se faz
hoje, que eu acho que ainda tem muita influência do que ele foi lançando, com o
pensamento, mas também do que ele fez, porque hoje em dia fico impressionada
como tem gente, artista, compositores, ainda mexendo no trabalho do Mário, nas
gravações do Mário, nos escritos do Mário para produzir música nova.
Agora, na geração dele, ele também já tinha uma urgência de
formar uma classe artística, né? Estou falando mais do mundo da música, mas não
só. Então como é que a gente vai agora começar a produzir artisticamente uma
música brasileira que não seja tão imitando a francesa? Ou ontem mesmo eu fui
assistir o Guarani. Aliás, recomendo a todos e todas essa versão da ópera
Guarani, do Carlos Gomes, que está tendo no Theatro Municipal com a direção do
Ayrton krenak, né? Uma releitura dessa ópera, mas era isso. Era uma ópera
brasileira, né, escrita em italiano, cantada em italiano. Então o Mário de
Andrade falou ‘não. Vamos fazer ópera, mas vamos fazer uma ópera brasileira
sobre os temas do Brasil, cantada em português. Então, como é que se canta em
português, como é que se fala português? Poxa, porque passando pelo Brasil eu
vi que existem vários jeitos de se falar português, jeito do Rio de Janeiro,
jeito do nordeste, jeito de São Paulo. Então assim, ele era um grande
interessado nesses fazeres, né, mas porque ele queria muito mesmo, ele achava
que não existia, assim como na literatura, na música também não existia uma
identidade brasileira. Vamos buscar essa identidade, essa alma, né? E vamos
tentar criar uma música brasileira. Mas isso também, como o próprio Jason
mostra, não existe um Brasil, uma identidade brasileira. A gente pode estar
procurando isso até agora e não vai encontrar, né? São muitos, muitos brasis,
né? Mas foi bonito assim, nessas primeiras viagens que o Mário fez, não só
viagens, como troca de cartas, conversas com colegas, inclusive o Câmara
Cascudo que foi citado agora, né? E aí, qual que é a música mais antiga que
vocês conhecem por aí? Que que o pessoal ainda fazendo está cantando? O pessoal
que trabalha na cana? Ah, deixa eu anotar.
Então ele chegava, por exemplo, passava... vamos lembrar que
nesse momento não existia gravador, não existia celularzinho na mão, né? Então
era isso, eu ia lá ouvir a música lá na moenda, e aí eu anotava em partitura.
Imagina que complicação que era anotar em partitura, né? Eu estou anotando a
letra, mas como é que eu vou pegar essa melodia? Como é que eu vou pegar esse
toque? Bom, vou me virar aqui com meu caderninho, vou ver que que dá. Então
alguém pegava, voltava de viagem. Ah, que que você anotou aí? Ah, tá, então eu
vou passar aqui para cantar. Então eu fiz esse trabalho sobre Elsie Houston, que
era uma cantora lírica contemporânea do Mário. E era isso. Eles estavam loucos,
desesperados. Eles queriam ouvir a música do Brasil, mas não era tão fácil. Era
mais fácil você ir para Europa do que você ir pra Amazônia. Eu fico pensando
isso assim, sabe? Em termos de logística, transporte, né? Então assim, uma
música, uma melodia que chega, que lá era muito valioso, né? E aí é isso.
Naquela época, a geração do Mário, a ideia deles, o que eles
achavam o máximo, era agora eu peguei essa música folclórica, agora eu tenho
que transformar em música artística. Esse era os conceitos da época. O que é
música artística? Ah, vou botar uma cantora lírica, vou fazer um arranjo para
piano, eu vou botar na orquestra, não é isso? Com o tempo, foi se atualizando e
aos poucos a gente foi percebendo... a gente foi falando ‘aqui é a nossa
gravação agora, né?’ Que essa música não precisa ser transformada em nada, né?
A gente quer ouvir a voz, as vozes do Brasil. Por isso que é tão valioso as
gravações que finalmente o Mário conseguiu. É, não foi ele que fez as
gravações, né? Mas foi ele que coordenou isso quando ele estava no departamento
de cultura. E assim, agora a gente consegue ouvir as vozes do Brasil todo, né? Os
ritmos, o como toca. Não quero mais transformar isso numa música erudita, né?
Que seja, então...
Então assim...
Reynaldo Bessa:
Pois não pode completar, pode completar.
Biancamaria Binazzi:
Ah, eu não paro de falar, Bessa. Me perdoa.
Reynaldo Bessa:
Não... Bom, você citou Carlos Gomes e na época da semana de
arte Moderna em sua fase heróica, ainda procurando se estabelecer, Mário
criticou muito Carlos. Claro que depois ele se corrigiu, ele disse, ‘não, não é
bem isso e tal’. O Mário tinha sses momentos e tal. Mas vou assistir também, essa
é uma grande dica aqui, tá? O Guarani, Ailton Krenak, então, vamos lá.
Voltando um pouco na linha do tempo, uma pergunta um pouco
mais extensa. Mário de Andrade nasceu em 1893. Em 1917, na exposição de Anita
Malfatti, marco do início do movimento moderno, Mário tinha 24 anos. Era um
rapaz, porém, já um apaixonado pela música e um grande conhecedor do gênero,
assim como o seu irmão Renato, mais novo, né? O Disco no Brasil já estava ali.
O primeiro disco gravado foi em 1902, com a música “Lundu, Isto é Bom”, você
deve conhecer, mas ainda de forma praticamente velada. Sem muito acesso. A
gente estava começando, como você falou. O samba “Pelo Telefone”, muito
conhecido, foi gravado em 1910. Então - é o que se conta, né? - Mário
presenciou a transição da música da partitura para a música gravada ainda de
forma incipiente também. Mas é fato que ele viveu essa migração.
Pode nos dizer o que foi isso para ele e o que ele fez de
concreto com essa evolução, essa transformação?
Biancamaria Binazzi:
Pois é, eu posso imaginar o tamanho dessa revolução. Pra
gente é muito... A gente foi educado a ouvir música de gravação, né? A gente
ouve mais gravação do que música no teatro, no palco. Agora, a geração do Mário
era o contrário. A indústria, o que se vendia não era disco, se vendia
partitura. Eu vou comprar aqui pra tocar no meu piano e aí vou dar uma festa em
casa, a gente vai ouvir, né? Então, mas o que é legal, se a gente acompanha os
textos do Mário, assim, as cartas que ele trocava, quando ele fala algumas
coisas sobre fonografia, inclusive tem um livro muito legal que chama “A Música
Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade”, organizado pela professora Flávia
Toni, que é muito legal, porque como é que o Mário ia percebendo a fonografia.
Então ele, a partir dos anos 35, ele começa a criar sua coleção de discos, e aí
ele pega a coleção dele, os discos, ele faz as próprias capas e ele anota tudo
o que ele sente: ‘uma bobagem absoluta’, ‘que arranjo horroroso’, ‘isso não é
música brasileira’. Os caras estão fazendo, ... estão exotizando... Então isso
é muito legal, como Mário estava ouvindo. E o que eu tenho a impressão é que no
começo da fonografia, porque a fonografia também dá um pulo muito grande, né?
Por exemplo, até 1927, a gravação era mecânica, então era um processo de
gravação que se ouvia muito no gramofone que dava corda, que realmente se você
pôr para ouvir, a última coisa que você vai ouvir lá é a música, sabe? É muito
chiado.
Os músicos eles tinham, não existia microfone, então eles
tinham que gritar muito para que a voz fosse prensada no disco. Imagina as
sutilezas dos instrumentos musicais, as sutilezas da voz. Então realmente não
era uma música agradável de tocar, né? Então, o Mário, ele tinha uma certa
distância, ele não gostava. Ele achava até perigoso, né?
Inclusive, tudo o que ele vai fazer depois de resgate da
música brasileira, porque a gente precisa gravar, é porque ele estava
preocupado, isso é muito importante, ele estava preocupado justamente que o
disco era um veneno, era um perigo essa indústria da música, porque a partir do
momento que as pessoas começassem a comprar disco e ouvir disco e ouvir rádio
também, ele acreditava que as pessoas iam parar de fazer suas músicas locais,
das suas próprias comunidades. Então tudo ia dar uma massificada geral, né?
Então todo mundo do Brasil ia começar a cantar samba e Carmen Miranda, e ele
achava isso perigoso. Ele falou, ‘nossa, eu preciso gravar o que existe pelo
Brasil’, porque daqui a pouco vai estar o disco até perigoso, né? Então ele
tinha esse, também esse receio.
Aí chegou um momento que ele percebe que o veneno pode ser
remédio, então eu posso usar essa tecnologia a meu favor. Então, ele falou, ‘não,
o que que tá errado lá?’. A indústria fonográfica está gravando só um tipo de
música, né, que é, por exemplo, o samba, era marchinha, era umas valsas, né? Aí
ele falava, ‘puxa, por que que eu não encontro disco de música de embolada? Por
que que não encontro o disco com jongo, com música, o maracatu, com a música
que se toca nos terreiros? Que ele era fascinado... E aí ele fala, ‘ah, então tá
bom’. E aí é o Mário na política, né? Quando ele assume o departamento de
cultura e cria a discoteca pública municipal, que não era só uma discoteca, não
era uma biblioteca de discos. Era o contrário. Era uma gravadora. Então a gente
esquece de pensar desse jeito, mas o Mário de Andrade fundou uma gravadora, se
a gente pensar assim. E ele vai buscar os equipamentos mais modernos que tinha
de gravação de campo. E aí eles vão realizar, com Oneyda Alvarenga que dirigia essa
discoteca, essa grande expedição pelo Brasil para gravar o que a indústria
musical não gravava, né?
Então, quer dizer, é bonito como ele vê a fonografia, assim
como essa tecnologia nova, que estranha que não é pra ele ainda, não é música,
que distorce a música e que é perigosa porque o próprio disco pode acabar com a
música e, de repente, ele usa isso a favor dele para resolver o outro problema,
né?
Reynaldo Bessa:
Olha que legal, Mário de Andrade pode ter fundado a primeira
gravadora. Quer dizer, pode ser isso. Eu vou fazer uma pergunta, inclusive, que
tem a ver com essa tua área mais de pesquisadora com relação à música. E na
última pergunta eu faço sobre essa coisa da discoteca, enfim, da Oneyda
Alvarenga, que era aluna, né, do Mário de Andrade, enfim, muito jovem, que se
destacou muito e tal, e ele acabou pegando ali como um apoio, um suporte, né?
Aproveitando esse assunto de migração de mídias, com o
advento dos discos, CDs que você estava falando e tal, e agora com as
plataformas de streaming... nós, claro,
com todo esse recurso, nós podemos ouvir os nossos artistas em casa, no
conforto do nosso lar, enfim. Mas essa coisa de ao mesmo tempo ter acesso a
isso e de deixar de ver a música, ouvir e ver a música, você não acha que isso altera
um pouco, prejudica um pouco, eu vou usar essa palavra, a nossa forma de apreender
a música? Você falou, abordou um pouco isso, até achei interessante porque a
minha pergunta seguinte era logo associada a isso. Nós perdemos o contato com a
música em si, né? Digamos, a música feita ali, o coreto, os concertos, as
salas, os salões, os teatros, quer dizer, saía de lá com a emoção. Não é a
mesma coisa com o disco, né? Enfim, o que que você acha?
Biancamaria Binazzi
Eu acho que tudo muda. Eu acho que existem várias formas de
se ouvir música, né? É isso mesmo. Ontem a gente estava lá no Theatro Municipal.
Eu fiquei emocionadíssima porque eu falei ‘Mário de Andrade tava aqui’. Assim
dizer, nesse teatro que tem tantos anos de história, ouvindo o Guarani, essa
obra que Mário de Andrade tacou pedrada. E assim, o teatro cheio, cheio, os
ingressos esgotados a semana inteira, né? Ao mesmo tempo é isso, de manhã eu
pego aqui o meu celularzinho e boto uma música que eu gosto de ouvir e o
algoritmo começa a ir sei lá que que ele acha que eu vou gostar e quando eu
vejo eu tô a manhã inteira ouvindo música que eu nem sei que que é, mas que ele
mesmo tá me conduzindo a essa escuta. Aqui em casa eu também tenho meus discos
de vinil e agora recentemente eu resgatei os meus CDs e meu toca-CDs. E assim,
fico pensando são experiências diferentes de ouvir música, né? São todas
prazerosas, mas eu concordo você que a música... concordo com você e concordo
Mário de Andrade também, né? A música é outra coisa quando ela tá no seu
contexto, quando ela tá ligada a uma cultura. Então, por exemplo, a gente fala
na cultura do Carnaval. Não é só a música do Carnaval, é o passo, é o
movimento, é a roupa, o encontro, são as pessoas que estão lá fazendo, é quem
compôs, é quem fez a roupa, né? Então é por isso que entra aí a etnomusicologia,
que é entender a música como cultura ou a música na cultura e era isso que
fascinava o Mário de Andrade, né? Além de fazer uma análise musical desse
arranjo que não sei o que, essa voz. É por quem essa música é produzida? Pra
que essa música é produzida? Há quanto tempo essa música tem sido reproduzida,
né? Então é entender mesmo a música na cultura para entender de novo esse povo
brasileiro, o Brasil. Onde é que a música entra na nossa cultura e nas nossas
experiências? Mas eu acho que é isso. Todas as formas de se ouvir música são
válidas e a gente vai se atualizando, não é? Eu acho curioso, não é, porque
isso a música ela foi tão legal. Você faz o disco, aí você faz a ficha técnica.
Imagina que bom você poder levar uma música para casa, né? Eu ouvi, mas agora
eu posso ouvir ela de novo e de novo e de novo. Isso era o encanto da
fonografia. E agora, aí a gente fez o disco de vinil, que tinha aquelas capas
lindas, aquelas fichas técnicas profundas. E agora a gente caiu nesse negócio
aqui que de novo a gente perdeu a ficha técnica das músicas, a gente não sabe mais
quem toca, a gente não sabe mais quem compôs. Então, quer dizer, de certa
forma, é um retrocesso também. É uma facilidade, mas é um retrocesso.
Reynaldo Bessa:
Bianca, existe alguma gravação do Mário tocando piano?
Biancamaria Binazzi:
Menino, que eu saiba não saiba não.
Reynaldo Bessa:
Não olha.
Biancamaria Binazzi
Essa essa da voz já foi uma super descoberta, né? Piano,
quem sabe um dia alguém...
Reynaldo Bessa:
É.
Biancamaria Binazzi:
Alguém encontra, não sei...
Reynaldo Bessa:
Reynaldo Bessa:
Então, sobre a discoteca
Oneyda Alvarenga, essa antiga discoteca pública municipal criada e
mantida por Mário de Andrade, à época, ainda está funcionando? Onde? Pode falar
um pouco pra gente, inclusive como funciona, porque tem gente que... Eu entrei
uma única vez na casa Mário de Andrade, na Lopes Chaves, e agora relendo biografias
eu já agendei para ir lá, porque eu preciso olhar ali para a janela que dá pra
Rua Margarida, eu preciso vivenciar esse momento. Fala para gente aí, você
trabalha lá, você faz cursos, como é que é?
Biancamaria Binazzi:
É, eu trabalhei lá no passado. Foi lá que começou meu amor
por esse assunto, né? Onde eu trabalhei no passado? Eu trabalhei no Centro Cultural
São Paulo. Então, quem não sabe, a discoteca pública municipal que foi criada
pelo Mário de Andrade e hoje se chama discoteca Oneyda Alvarenga, que é o nome
da primeira diretora da discoteca, fica no Centro Cultural São Paulo, na rua
Vergueiro. Lá no Centro Cultural mesmo. E ela, então, é uma biblioteca pública
de música, então, ela não tem apenas discos, ela tem livros sobre música, ela
tem partituras. E o principal, ela tem os arquivos do Mário de Andrade e da Oneyda
Alvarenga, que eles produziram nessa época. Estou falando a partir de 1936 até
os anos 50, mais ou menos, a discoteca produziu muita coisa. Por isso que eu
falo, ela não é só na biblioteca, ela é uma gravadora, ela é uma produtora de
conteúdo, né?
Então, assim tem esses discos históricos gravados pelo norte/nordeste
do Brasil. Tem uns que também pouca gente conhece que foram gravados no
interior de São Paulo, tem congadas. Tem infinitos instrumentos musicais e
objetos religiosos que foram recolhidos durante a missão de pesquisas
folclóricas e tem uma coisa que que foi criada na época da discoteca e tem até
hoje que são cabines de escuta. Então se você quiser ouvir música, na época, as
pessoas não tinham disco, vitrola em casa, né? Imagina até pro Mário de Andrade
foi difícil ter a sua primeira vitrola. Então você ia lá na discoteca, pedia
para ouvir um disco, sentava numa cabininha, e ouvia a música, então até hoje
você tem essas releituras das cabininhas. Então é um lugar que você pode ir
ouvir música, fazer pesquisa, se inspirar, e é isso. Não sei se eu contei muito
bem, mas é bom dar um contexto então, né? Então o Mário de Andrade, como Jason
está falando, teve um momento que o Mário entra na política. Então ele vira
diretor do departamento de cultura de São Paulo. Lembrando que esse
departamento não existia, não existia uma instituição política na cidade para
se pensar cultura e quando isso existiu em 35, o nome escolhido foi o nosso Mário
de Andrade. Então foi muito legal ver como todo tudo aquilo que estava
fermentando em Semana de 22, Modernismo, ele agora teve como colocar na
prática, né? Embora tenha sido muito sofrido e sacrificioso para ele, né? Mas
aí uma das milhares de iniciativas que ele fez, por exemplo, ele criou o
quarteto de cordas da cidade de São Paulo. Mas ele criou essa discoteca, porque
ele achava justamente que a indústria fonográfica não estava produzindo o que a
gente precisava, que era essa tal da música brasileira, sem ser uma música
comercial feita para vender, porque ele queria que os músicos compositores
atuais ouvissem a música brasileira pra poder produzir uma música brasileira a
partir dessas pesquisas. E também porque ele queria democratizar o acesso,
porque ele queria ter um lugar público, que as pessoas pudessem ouvir música. E
também eles faziam os concertos de discos, que é uma coisa super democrática
também, né?
Então Almeida Alvarenga, ela fazia roteiros, separava alguns
discos que não eram os discos mais pops, que todo mundo ouvia no rádio, coisas
difíceis assim, sabe? E fazia concertos de disco. Olha que lindo. Você se
encontrava lá e a gente ia ouvindo junto música e contando a história dos
compositores das músicas. Isso é uma coisa que a gente tentou fazer ainda no Centro
Cultural algumas vezes, de retomar essa ideia de você se encontrar para ouvir
música junto, música que a gente não ouviria sozinho, assim que não está no
algoritmo. A mesma coisa, o Mário de André estava com uns problemas parecidos
com os nossos.
Reynaldo Bessa:
Se tivesse alguma pergunta que você quisesse fazer pro
Mário, se ele pudesse responder hoje, você tem uma?
Biancamaria Binazzi:
Epa.
Reynaldo Bessa:
Não tem.
Biancamaria Binazzi:
Ah, tanta que eu...
Reynaldo Bessa:
Pronto. Não é, tantas que pra você lembrar agora não, não
dá, né? Mas eu quero te agradecer imensamente, imensamente a tua contribuição
aqui, tuas palavras, teu conhecimento. Obrigado por aceitar o convite. Se você
quiser acrescentar, falar mais alguma coisinha, por favor.
Biancamaria Binazzi:
Certo. Só tenho a agradecer, Bessa, pelo convite, toda
equipe, muito delícia poder ouvir e falar. Eu acho que vocês convidaram pessoas
que eu quero muito ouvir, então eu vou
continuar aqui na linha, ouvindo celebrando Mário de Andrade. E é isso. Eu acho
que o Mário de Andrade são muitos, muito mais do que 300, 350, né? E tem muita
coisa ainda que a gente não sabe por mais que hoje a gente pode ler o Mário com
as nossas críticas também. Ele era um homem do tempo dele, né? Tem muita coisa
que precisa ser revista, atualizada, mas tem muita coisa que ele pensou que a
gente está ainda correndo atrás para entender aonde ele queria chegar assim,
então tem muito trabalho pela frente. Vão todas as pessoas aqui.
Reynaldo Bessa:
A biografia do Jason, “Em busca da alma brasileira” é
incrível, calhamaço, mas com tudo ali, Mário completo
Biancamaria Binazzi:
Eba.
Reynaldo Bessa:
Inclusive com essas lacunas que ele trouxe, que para mim
foram surpresas, que eu já li muito sobre o Mário, li a obra, enfim,
praticamente toda, né? E releio sempre, mas essa biografia foi inclusive uma
pancada, então, inclusive, eu indico aqui, tá certo, querida? Muito obrigado,
viu? Muito obrigado mesmo. Sucesso aí.
(Vinheta) Pois é, pois é. Pois é, poesia. Poesia há. Ou não.
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