Podcast #141 Histórias do Rádio: Walter Silva e a bossa nova para o rádio em O Picape do Picapau
Acompanhe o 5º episódio da série "Histórias do Rádio", com destaque para O Picape do Picapau, de Walter Silva:
Walter
Silva – O Disc-Jóquei de São Paulo
“Fui quase poeta, quase músico,
jornalista, quase tudo. Operário, cantor, cineasta, publicitário... quase fui.
Só político, capacho, reacionário ainda não fui.
Talvez um Carbonari direto, sem
intermediário, um filho da luta diária pelos poucos pães e poucas águas, um
comandante de mim mesmo, vida a esmo. Isso que eu fui. Hoje, muito vivo, quase
morto. E daí? Valeu? Não sei. Mas que doeu, doeu.”
Walter
Silva (São Paulo, 7 de março de 1933 - 27 de fevereiro de 2009) fez
parte de um tempo em que o profissional de comunicação era uma espécie de
faz-tudo. Antes e mesmo depois de se tornar famoso com seu Picape do Picapau,
ele havia assumido diferentes funções: comentarista esportivo, repórter,
apresentador, animador de auditório, humorista. Escrevia muito. Aliás, passava
o dia todo na máquina de escrever.
No Rio de Janeiro, foi divulgador da RGE, responsável por lançar a cantora Maysa nas rádios cariocas. Em São Paulo, no ano de 1957, começa comandando A Toca do Disco, das 13h30 às 15h30, na Record. Ele havia procurado Paulo Machado de Carvalho para criticar o fato de a emissora ser muito falada. Diante da ousadia, é desafiado a apontar um caminho. O resultado é a abertura para que tocasse discos.
Em A Toca do Disco, Walter Silva entrevistava atores, jogadores de futebol, políticos e outras personalidades, sempre tendo como assunto a música. Já naquela atração, ligava para rádios de várias partes do mundo e conversava com outros DJ’s no ar.
No final dos anos 1950, era
chamado de o “disc-jockey de São Paulo”. Disc-Jóquei era o responsável por
comandar o disco, criar sucessos. Tinha sensibilidade de escolher em uma
discoteca uma gravação que se identificava com ele – apresentador – e através
disso, passar essa emoção para o ouvinte. E o ouvinte fazia daquela criação, um
sucesso.
Ao mesmo tempo em que atua no
rádio, Walter Silva se consagra como produtor dos shows de Bossa Nova no Teatro
Paramount, que revelaram a maioria dos nomes de sucesso da Música Popular
Brasileira. Foi também responsável pela
produção e apresentação do programa de variedades que alcançou o maior índice
de audiência do rádio no Brasil, de acordo com o IBOPE. O Picape do Picapau dá sequência ao Toca do Disco e tem início em
1958, na Rádio Bandeirantes. A emissora vivia seu momento mais glorioso. Às
vésperas da Copa do Mundo daquele ano, o diretor Comercial e Artístico Edson
Leite havia criado a Cadeia Verde Amarela, que reuniu cerca de 400
retransmissoras da programação.
Na época em que ganhou o apelido de Picapau, Silva chegou a usar um blusão vermelho com o “Picapau” às costas. Usava também meia vermelha, calça Lee, sapato Maria-mole. Mas, em seu programa, já usava a gravação de Wood, Wood, aquele pica-pau da TV. A ideia era a de chamar a atenção da criança, do jovem, do público juvenil. Antes e depois de cada disco, tocava a vinheta do Picapau.
Na Rádio Bandeirantes, Walter
Silva encontra o cenário ideal para suas propostas. A emissora, já em 1955,
aposta no rádio musical como alternativa à chegada da televisão. Os programas
de disco tinham liberdade para se estender. Não era apenas “vamos ouvir” e
“acabamos de ouvir”. Havia críticas, comentários, ligações telefônicas,
reportagens. Era um rádio vivo, atraente, que prendia o ouvinte. Feito por
gente inteligente. Sem apelações. Na época, a relação com as gravadoras era
saudável, amistosa. Elas não se atreviam a impor algo. Os DJ’s tinham liberdade para elogiar ou
criticar os discos perante os divulgadores.
Picape do Picapau ecoava no
Estado de São Paulo todo e pela primeira vez uma emissora de São Paulo desbanca
a Nacional do Rio de Janeiro, ao alcançar, segundo medição da audiência da
época, 22% de audiência pelas emissoras da Cadeia Verde Amarela.
O REPERTÓRIO DO PICAPE DO PICAPAU
Na opinião de Walter Silva, no final dos anos 1950, faltavam criatividade, inteligência, qualidade, bons artistas à Música Brasileira. Ele combatia a manutenção de nomes como Nelson Gonçalves, Adelino Moreira, os quais “acusava” pela interpretação de músicas de dor de corno, como afirma ao depoimento que deixou registrado no Centro Cultural São Paulo (1983).
Em contraponto, surge a Bossa
Nova. Uma resposta da classe média à burguesia. Uma classe média que tinha
acesso à cultura, à música clássica, que sabia tocar violão, que sabia tocar
piano, que ouvia os melhores cantores e instrumentistas estrangeiros. Que veio
atender ao anseio de um povo que queria qualidade.
O Picape surge com o ímpeto
dessa nova bossa e coloca no ar de Paul Anka e Neil Sedaka a Os Cariocas e João
Gilberto. Aliás, ninguém tocava João Gilberto. Walter Silva era advertido por
comunicados pela direção da rádio, porém continuava a tocar e acreditar na
novidade. As outras emissoras continuavam a tocar Ângela Maria, Nelson
Gonçalves. Walter Silva não aceitava isso. Tocava poesia de Neruda. Um programa
que falava com o povão com poesia de Neruda! Afirmava querer ensinar o povo a
distinguir boa música, a ter bom gosto.
Quando tocava sertanejo, era
Tristeza do Jeca.
Tocava de tudo. Uma vez,
chegou para o discotecário Zé Carlos Romero e perguntou onde ficava o casulo de
música francesa. Encontrou um tal de
Charles Aznavour. Um cantor que havia sido lançado há 3 anos na Europa e
ninguém conhecia ainda no Brasil. Estourou. Walter Silva recebeu carta de
agradecimento do artista, que depois veio ao Brasil em função do episódio.
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Déa Silva, em 2011, durante entrevista ao blog/podcast Peças Raras |
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Além de tocar música,
falava... chegou a receber carta de Mater Luther King pela defesa que fazia da
causa dos negros, na Bandeirantes.
Falava, sem papas na língua.
Era difícil, briguento, encrenqueiro, criador de casos, mas era respeitado e
seguido por todos os radialistas, sendo referência como DJ.
Lançou sucessos como Oh,
Carol, com Neil Sedaka e Dianna, com Paul Anka; também foi responsável pelo
êxito de Chega de Saudade, na voz de João Gilberto.
“TESTE DO DIA”
Certa vez, a cantora Laila Curi
o presenteia com alguns discos de 45 RPM que havia trazido dos Estados Unidos.
Walter Silva ouve um deles e tem a impressão de ser o Nat King Cole, mas não
era. Era
Earl Grant, em At The End of a Rainbow. Fez
um concurso. Tocava todo dia e perguntava quem era o cantor. Quem acertasse,
ganhava LP e outros prêmios. Recebeu muitas cartas e ninguém tinha o disco.
Todas citavam Nat King Cole. Tocou tanto a música, que ela acabou ficando 10
anos em paradas de sucesso.
ESTRUTURA DO PROGRAMA
O Picape do Picapau trazia
em toda abertura um pout-pourri de músicas escolhidas a dedo, de preferência
coincidindo os tons de cada uma delas. Raramente, uma música do repertório não
ia para a parada de sucessos.
Às segundas-feiras, abria só
para novidades.
Criou a REDE RADIOFÔNICA DE
SUCESSOS MUSICAIS RIO – SÃO PAULO, com Luís de Carvalho, da Rádio Globo do RJ. Utilizava
o som das Ondas Curtas para realizar a conexão ao vivo.
Na festa de 1º aniversário do Picape do Picaau, 6 mil pessoas foram ao Cine Piratininga (lotação máxima da
sala). Na ocasião, projetava em cinemascope a foto do artista na tela, enquanto
o mesmo se apresentava no palco.
Da Bandeirantes, foi para a
Excelsior, em 1963. Levou com ele dezenas de profissionais: Henrique Lobo,
Humberto Marçal, entre outros nomes de peso. De lá, foi para a Record. Voltou à
Bandeirantes a convite de Boni em 1966; foi para a Piratininga com Hélio
Ribeiro em 1967; Nacional de SP em 1968; Tupi em 1969. Voltou à Bandeirantes em
1970.
Quando as gravadoras começaram
a “mandar” no rádio, partiu para a realização de shows de MPB no Paramount. O
rádio não dava muita bola para a Bossa Nova. À exceção de poucas atrações.
Entre os principais feitos de Walter Silva, está o fato de ter sido o primeiro
a tocar Elis Regina, à quem teria dito logo em seguida à própria artista:
“Menina, você vai ser a maior cantora do Brasil”.
Walter Silva ainda resiste às
imposições das gravadoras e permanece no rádio até 1987. Naquele ano,
apresentava na Cultura AM de São Paulo os programas Quais as Músicas que Fizeram Sua Cabeça, Música Popular Walter Silva e Musicultura.
Aposentou-se e passou a fazer história (ou a registrá-las) em jornais impressos
e no livro Vou
te contar: Histórias de música popular brasileira.
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