Transcrição: Jason Tércio fala sobre biografia de Mário de Andrade e a busca pela alma brasileira
Dia 25 de fevereiro de 2025 completam 80 anos da morte de um dos maiores intérpretes do Brasil, Mário de Andrade.
Sobre a poesia, Mário de Andrade afirmou o seguinte: “a poesia deve conter o máximo de lirismo e o máximo de crítica para assegurar o máximo de expressão. Todo poema é inicialmente apenas lírico. O lirismo é um estado afetivo sublime, vizinho da sublime loucura. O verso começa com uma força descontrolada e desmaio. Quando sinto a impulsão lírica, escrevo sem pensar tudo o que o meu inconsciente me grita”.
Para falar sobre esses aspectos da vida de Mário de Andrade, na 7ª transmissão ao vivo do podcast Pois é, Poesia: Arte no Plural, Reynaldo Bessa conversa com Jason Tércio. Jornalista pela Universidade Gama Filho, trabalhou e colaborou em diferentes veículos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, como Jornal do Brasil, o Globo e Movimento, além de 4 anos na BBC de Londres, como produtor e apresentador de programas.
Em 2019, publicou a biografia “Em busca da Alma Brasileira”, uma biografia de Mário de Andrade, sobre o ícone da vanguarda modernista brasileira. Por este livro, o texto ganhou o prêmio APCA de literatura em 2019, na categoria “biografia, autobiografia, memória”.
Acompanhe a transcrição da entrevista:
(Vinheta) Pois é, pois é. Pois é, poesia. Poesia há. Ou não.
Reynaldo Bessa:
Dia 25 de fevereiro de 2025 completam 80 anos da morte de um
dos maiores intérpretes do Brasil, Mário de Andrade. Mário Raul de Morais
Andrade nasceu na cidade de São Paulo em 1893, onde faleceu em 1945, aos 51
anos, em plena atividade artística.
Quem o conhece apenas como poeta, Mário, além de figura de
proa do modernismo, foi musicista, ensaísta, cronista, jornalista, poeta,
contista, romancista, dramaturgo, crítico de literatura, professor de piano,
pesquisador da cultura popular. Foi também administrador público - dirigiu o
departamento de cultura da municipalidade paulistana, mais tarde, Secretaria Municipal
da Cultura. Nesse departamento surgiu a ideia de criar uma biblioteca que
servisse como depositária de toda a história cultural da cidade. Em 1960, essa
biblioteca municipal paulistana, a segunda maior do país, vale ressaltar,
recebeu o nome de quem? De Mário de Andrade.
Na escrita, Mário estreou em 1917 com o livro “Há uma Gota
de Sangue em Cada Poema”, bancado do próprio bolso. Em 1922, veio com o “Paulicéia
Desvairada”, seu primeiro livro publicado já no movimento modernista. De toda a
sua obra, o livro mais conhecido é a rapsódia “Macunaíma”, mas ele escreveu
também “Amar, Verbo Intransitivo”, “Ensaio sobre a Música Brasileira”, “Lira
Paulistana” e muitos, muitos outros. Sobre a poesia, Mário de Andrade afirmou o
seguinte: “a poesia deve conter o máximo de lirismo e o máximo de crítica para
assegurar o máximo de expressão. Todo poema é inicialmente apenas lírico. O
lirismo é um estado afetivo sublime, vizinho da sublime loucura. O verso começa
com uma força descontrolada e desmaio. Quando sinto a impulsão lírica, escrevo
sem pensar tudo o que o meu inconsciente me grita”.
Eu sou Reynaldo Bessa, poeta, escritor, músico e professor.
E este é o Pois é, Poesia: Arte no Plural.
Vamos ao nosso primeiro convidado. É o Jason Tércio, né?
Jornalista pela Universidade Gama Filho, trabalhou e
colaborou em diferentes veículos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, como Jornal
do Brasil, o Globo e Movimento, além de 4 anos na BBC de Londres, como produtor
e apresentador de programas. Organizou uma coleção de livros de crônicas de
José Carlos de Oliveira, o Carlinhos de Oliveira, e já publicou contos e
antologias em jornais e sites literários. Também é tradutor e ganhador de
vários prêmios. É autor de vários livros, entre eles o romance “A Pátria que o Pariu”,
a biografia “Órfãos da Tempestade - a vida de Carlinhos de Oliveira” - eu falava
nele - o romance reportagem “Segredo de Estado - o desaparecimento de Rubens
Paiva”, muito bem-vindo por sinal, muito atual aí, né, com “Ainda Estou Aqui”,
enfim. E também, ele também, né, Jason Tércio é autor de contos, roteiros de
filmes, poemas e peças teatrais, uma delas “Kafka e Lima Barreto jogando Sinuca
em Bruzundanga”, transcorrida em 1922.
Em 2019, publicou a biografia “Em busca da Alma Brasileira”,
uma biografia de Mário de Andrade, sobre o ícone da vanguarda modernista
brasileira. Por este livro, o texto ganhou o prêmio APCA de literatura em 2019,
na categoria “biografia, autobiografia, memória”. E é justamente, exatamente
sobre esse livro, a biografia de Mário de Andrade, obviamente, que vamos falar.
Jason Tércio, querido, seja muito bem-vindo ao Pois É, Poesia. Tudo certo por
aí?
Jason Tércio:
Tudo certo, Reynaldo. Muito obrigado aí pelo convite para
participar do seu programa.
Reynaldo Bessa:
Magina. Foi um prazer, eu li sua biografia que você, que o
senhor escreveu sobre o Mário de Andrade. Li todas as biografias, agora, que eu
pude alcançar e percebi na sua, né, que ali está completo o Mário artista, está
lá o Mário homem com seus conflitos existenciais, com as suas buscas em todos
os sentidos, tanto como ser humano, como homem, como artista, né? Uma biografia
completa. Parabéns!
Eu vou fazer uma primeira pergunta. Numa de suas
entrevistas, o senhor disse que, durante o processo de redação da biografia de
Mário de Andrade, enquanto mais pesquisava, mais ficava animado. O que era esse
ânimo? Descobriu o Mário inédito, várias lacunas e equívocos na história há muito
contada. Enfim, o que exatamente o animava?
Jason Tércio:
Bom, quando eu comecei a escrever a biografia do Mário de
Andrade, eu tinha uma ideia muito vaga do que eu ia encontrar, né? Isso é muito
comum acontecer quando se começa a pesquisar uma determinada vida,
principalmente uma vida tão intensa como foi a do Mário de Andrade, né? Porque
ele não é apenas um grande intelectual, mas teve uma vida também pessoal, muito
movimentada. E acontecia o seguinte, como nunca foi escrito um livro
contando a história do modernismo brasileiro, e, aliás, eu quero destacar aqui que
essa é a maior lacuna do modernismo brasileiro... é ausência de um livro
contando a história do movimento. Então eu me deparei com muitos erros, entende,
muitos erros, muitos equívocos que constavam na historiografia disponível no
mercado, não só em forma de livros publicados, em ensaios, também trabalhos
acadêmicos, muitos textos da internet. Então, parecia que todos repetiam a
mesma narrativa, entendeu?
Então eu fiquei agradavelmente surpreso. Porque eu
pesquisei as fontes primárias, mas eu não me contentei em pesquisar apenas as fontes
secundárias e os livros disponíveis. E olha que a vida do Mário de Andrade ela
já foi analisada por centenas de pesquisadores, né? Eu Acredito até que o
Mário talvez seja o segundo escritor mais analisado no Brasil, depois do
Machado de Assis. Então, ao consultar fontes primárias, arquivos nunca antes
consultados, eu fui descobrindo muitas coisas interessantes e para minha surpresa
também, né, porque desde pequenas coisinhas simples, como por exemplo, que o Teatro
Municipal foi alugado para a Semana de Arte Moderna, quando na verdade não foi
alugado, foi cedido. Até coisas mais graves também, como de que a burguesia paulista
financiou o movimento modernista, entendeu? Então, essas coisas todas me
animaram bastante. Ao mesmo tempo, fizeram com que o trabalho de escrita do
livro demorasse tanto tempo, né? Eu demorei quase 10 anos, porque eu não tinha
pressa, eu não estava trabalhando com um deadline, né, um prazo
específico para nenhuma editora. Então eu queria realmente fundo fazer uma
biografia da qual o Mário não se envergonhasse.
Reynaldo Bessa:
Eu achei muito interessante essa parte, inclusive, porque é aquela
coisa, como que um movimento moderno, que pretende ser acessível ao povo em si,
numa linguagem muito brasileira, é patrocinado pela elite? E é verdade, vi isso
aí na sua biografia e disse que não foi bem assim, né? É, foi realmente a... a
história realmente é outra, né?
Jason Tércio:
É, essa é uma verdade, eu até fiz uma palestra sobre
especificamente, sobre esse tema na casa Mário de Andrade, porque toda a historiografia do movimento
modernista diz isso, que o movimento foi protegido, digamos, e financiado por
uma parte da oligarquia cafeicultora de São Paulo; que o movimento sem essas
elites, o movimento nem teria existido. Tem um texto que diz até isso. O José
Guilherme Merquior, por exemplo, que é um grande crítico falecido, grande
crítico literário, disse que o Modernismo nasceu no Salão dos Prados e dos Penteados,
que é o sobrenome de duas famílias quatrocentonas de São Paulo. Então eu fiquei
realmente espantado. E até hoje, se alguém consultar no Google Movimento Modernista/mecenas,
vai aparecer o nome de pessoas ali, como Paulo Prado, Freitas Vale etc, como
tendo sido mecenas, é financiadores do Modernismo, quando, na verdade, não é
nada disso. Claro, eu poderia dar detalhes aqui porque que eu cheguei à essa
conclusão, mas isso daí já demoraria no mínimo uma meia hora para contar.
Reynaldo Bessa:
Claro, claro. Eu vi lá que as críticas foram realmente
virulentas, né, das pessoas que não entendiam o movimento, não concordavam.
Mas, Jason, é o seguinte, uma outra pergunta: Augusto de Almeida Filho, numa
conferência em 1942, saudando o Mário de Andrade, disse: “Macunaíma é a
projeção lírica do sentimento brasileiro, é a alma do Brasil virgem,
desconhecida, se revelando. São as lendas do povo, é a poesia, o encantamento
da terra e do homem brasileiro”. Eu pergunto, Jason, Mário de Andrade não
encontrou a alma brasileira ao escrever o seu rapsódico “Macunaíma”?
Jason Tércio:
Bom, uma vez ele escreveu alguma carta ao Carlos Drummond
de Andrade, antes de escrever “Macunaíma”, dizendo o seguinte, nós precisamos
dar uma alma ao Brasil. Ou seja, ele era um brasileiro visceral. Eu diria até
que a profissão do Mário de Andrade era brasileiro. Pode-se dizer, Mário de
Andrade, profissão brasileiro. E ele aprofundou esse interesse pelo Brasil que
ele, aliás, é preciso voltar um pouco no tempo, porque em 1919, portanto, três anos
antes da Semana, ele já era um jovem profundamente interessado na cultura
brasileira. Nesse ano, ele fez uma viagem a Ouro Preto e Mariana para fazer uma
pesquisa sobre a arte barroca brasileira e depois foi a Mariana também. Então,
nesse ano, ele já começou a colecionar várias coisas sobre o Brasil: folhetos,
objetos etc. Então, o interesse dele pelo Brasil já vem desde essa época e
quando ele fez as viagens pelo Brasil, que foi um dos grandes momentos na vida
dele, ele pôde aprofundar mais esse conhecimento, não é? Ele fez viagens, por
exemplo, ao Amazonas, à Amazônia, na verdade, durante quatro meses, fez uma
viagem de dois meses ao Nordeste, percorrendo vários Estados. Fez uma viagem
também a Minas Gerais com um grupo de Modernistas, né? Então, nessas viagens,
ele fez uma pesquisa profunda, inclusive na viagem à Amazônia foi muito útil
também porque justamente ele concluiu as pesquisas dele sobre Macunaíma, que
era um livro que ele já tinha escrito, na verdade, e estava na fase assim de
correções etc, e aí ele fez a viagem à Amazônia. Então ele completou, inclusive
incluiu a lenda da Iara, por exemplo, né, no final do livro. Então, as viagens
dele pelo Brasil em geral e a temporada dele no Rio de Janeiro também foi tudo
muito útil para que ele tentasse descobrir essa alma brasileira, né? E, na
verdade, eu acredito que ele nunca tenha conseguido. Porque no final da vida
ele estava muito desiludido, na verdade. É uma coisa que acomete muitos
intelectuais brasileiros, né? O Euclides da Cunha também no final da vida
estava muito desencantado, muito amargurado. E o Mário de Andrade também, né?
Então, mas, de qualquer maneira, ele deixou esse livro aí antológico, né, que é
o Macunaíma, não só esse, evidentemente, mas dezenas de outros livros, tanto é
que ele em vida, ele publicou 25 livros, né? Mas hoje existem mais de 50
livros, porque ele deixou muito textos inéditos e também muita correspondência,
né? Ele se correspondia com várias pessoas de todo o Brasil. Então, hoje em dia
existem cerca de 50 livros ou mais do Mário de Andrade, abrangendo vários
temas, literatura, área de ficção, poesia, contos, crônicas, ensaios sobre
artes plásticas, sobre, enfim, folclore, música popular, enfim, a obra do Mário
de Andrade acho que deveria ser leitura obrigatória para todo estudante a
partir já do primeiro período mesmo da escola, eu acredito.
Reynaldo Bessa:
Sim. Mário conversou, se comunicou com grandes, no caso,
Câmara Cascudo, que é meu conterrâneo, né? Diógenes da Cunha Lima, na biografia
de Câmara Cascudo, um brasileiro feliz, diz que só existem duas grandes
presenças no Rio Grande do Norte, o Oceano Atlântico e Câmara Cascudo, né? Bom,
agora só tem agora o Oceano Atlântico, mas a presença do Cascudo permanece lá, essa
obra maravilhosa.
Jason, numa revisão anos depois sobre o Modernismo, Mário de
Andrade levantou três princípios:
1- o direito permanente à pesquisa estética,
2- a nacionalização da produção artística.
Nesses dois, segundo Mário, o modernismo foi bem-sucedido.
Mas no terceiro princípio, que é: a atualização da inteligência artística, não
se concretizou, segundo Mário.
Ele afirma isso porque destaca que a atualização da
inteligência artística era eminentemente, política, e os modernistas não a
enfrentaram com as armas que ela exigia.
Procede? O que você pensa sobre isso?
Palavras do Mário, não é?
Jason Tércio:
Sim, eu concordo, porque essa é, aliás, me parece ser, a
grande contradição do Movimento Modernista brasileiro. Ou seja, eles queriam modernizar
a cultura, modernizar o Brasil através da cultura, mas sem mexer na política,
porque a política brasileira da época, na República Velha, era uma política
muito atrasada, né? Ou seja, não havia voto secreto, as oligarquias é que se
revezavam no poder, 70% da população era de analfabetos, para se ter uma ideia,
em 1922. É, então havia vários... a economia dependia puramente da exportação
de café. Então, na verdade, acho que o artista, seja ele de qualquer área,
ele não tem obrigação, evidentemente, de se envolver em política, né? Aliás,
como diz um personagem do Glauber Rocha no Terra em Transe, ele diz: a política
e a poesia são demais para um só homem. Então, o artista, ele já enfrenta uma
série de conflitos, a própria angústia da criação, a angústia da incompreensão,
às vezes do público e da crítica etc, então, ele não tem nada a ver com a
política partidária, a política militante, porque isso já é outra atividade que
exige muito da pessoa, né? E os Modernistas, eles pertenciam a maioria à classe
média. Tinham dois ou três que eram da alta burguesia, como Tarsila, Oswald de
Andrade e tal. Mas eles eram da classe média, uma classe média ascendente que
estava começando a emergir no Brasil. Então, eles não, evidentemente... Primeiro
que se eles fossem questionar o paradigma político da época, eles seriam
simplesmente defenestrados, né? Seriam ignorados e ninguém levaria eles a sério,
porque era minoria. Então eles não se preocuparam realmente em se envolver com
política.
Eu acho que a autocrítica que o Mário de Andrade fez nessa
conferência de 42 sobre... Ele coloca como um defeito, né, dos modernistas não
terem se preocupado com a política, mas eu acredito que não. Eles não
precisavam se envolver com política. Na verdade, quem deveria se envolver com
política eram os partidos, movimentos sociais, o movimento operário que estava
emergindo na época, né? Agora, até hoje, e nisso eu concordo muito mesmo com o Mário.
Não é só até a época que ele escreveu isso, que o Brasil não tinha se
modernizado. Até hoje, o Brasil ainda não se modernizou, exceto culturalmente.
Assim como durante o Modernismo, o movimento, o Brasil se modernizou
culturalmente, mas continua atrasado política e economicamente, hoje, continua ainda
evoluído culturalmente, porque nós temos uma cultura que é bastante reconhecida
mundialmente, é uma cultura cosmopolita e nacional, ao mesmo tempo em que
explora diversas dimensões, né, do folclore, da sociedade brasileira etc., da
vida urbana e tudo em todas as áreas, né? Na música, na literatura, mas
politicamente nós temos ainda muitos defeitos ainda da República Velha, tanto é
que eu considero... os Modernistas criticavam a literatura conservadora da
época, que era o Parnasianismo, né? Então, eu considero que hoje o Brasil ainda
tem um estado parnasiano, entendeu? E um estado que não se modernizou. Tanto é
que, na época do Mário de Andrade, o principal produto de exportação do Brasil
era um produto agrícola, o café. E hoje, mais de 100 anos depois, o principal
produto de exportação do Brasil é um produto agrícola, a soja. Por aí você tem
uma ideia de que economicamente o Brasil continua, aliás, como em 1500 e pouco,
que tivemos o ciclo do Pau Brasil, né? Então, nesse aspecto, eu acho que o
Brasil ainda falta mexer muito, tanto é que na época do Mário de Andrade, por
exemplo, nós imitávamos a França, hoje imitamos os Estados Unidos. Então, a
identidade brasileira ainda é algo assim, muito indefinido, né? Muito... falta
ser alcançada ainda, eu acredito.
Reynaldo Bessa:
Sim, Mário de Andrade, costumava dizer que a arte em si já
traz essa função social, esse embate.
Jason Tércio:
Então, só concluir, daí a importância, grande importância da
obra do Mário de Andrade, né? Quanto mais se reconhece esses problemas e
limitações brasileiras, mais necessário se torna ler ou reler Mário de Andrade.
Reynaldo Bessa:
Sim, essa pergunta agora, Jason, é pergunta retórica, porque
não importa quem foi a pessoa, né? Uma pergunta para realmente incitar a
discussão que eu acho inclusive muito divertida. Sobre quem primeiro teve a
ideia de proclamar a independência cultural que culminou na Semana de Arte
Moderna, não nos remete a fábula dos cegos apalpando o elefante? Quer dizer,
Menotti disse que tudo começou no seu encontro com Oswald. Renato Almeida disse
que foi ideia de Graça Aranha. Manuel Bandeira corrobora. Renato Mário, num
primeiro momento, disse que foi coisa de Di Cavalcante. Depois corrigiu,
dizendo que a ideia foi de Paulo Prado. Até a amante de Graça Aranha puxou um
pedaço dessa pizza para ela. Bom, a Semana de Arte Moderna de 22 foi mesmo uma
filha de muitos pais, Jason?
Jason Tércio:
É, exatamente, essa fase que eu uso no livro, né? Porque é o
seguinte, todo movimento assim, de grande dimensão, né? Seja política, cultural,
bom, ele sempre tem vários mentores, vários arquitetos. No caso do Modernismo,
houve uma ideia lá, uma sugestão que o Di Cavalcante deu, de fazer uma grande
exposição de arte, mas uma simples exposição, na verdade, de artes plásticas,
em comemoração ao Centenário da Independência, né? Porque o Rio de Janeiro ia
fazer vários eventos, era a capital do país etc. E em São Paulo, as comemorações
estavam muito mixurucas. E aí ele propôs isso. Agora, a partir daí é que surge...
As conversas foram evoluindo. E aí começou também a fazer a haver contatos com
o Paulo Prado também, que era ligado ao Oswald de Andrade. Então, aí sim, aí
começou a se arquitetar a Semana em si. Agora realmente não teve uma pessoa.
Agora, a Semana foi resultado, como todo movimento cultural, de um espírito do
tempo, né? Porque, na verdade, o Brasil estava até atrasado já, porque as
vanguardas europeias tinham começado no início do século vinte, né? O Futurismo
foi o primeiro movimento de vanguarda que ocorreu no começo do século vinte na
Itália, né? E depois se espalhou pelo mundo. Depois veio o Cubismo, na França,
a partir da obra do Picasso. Depois veio o Dadaísmo, né, já em 1916, então, o
Brasil estava já bastante atrasado nessa atualização, digamos, do pensamento
estético moderno. Então, foi uma conjunção de fatores, né? Porque o Brasil já
tinha algumas coisas modernas, né? Por exemplo, em termos de maquinário, tinha já
avião, telefone, os famosos signos, né, da modernidade da época, o Brasil já
tinha, embora em menor quantidade do que na Europa, que era um país pobre e
tal. Agora nós tínhamos esses elementos, mas aí, em termos culturais, ainda
estavam bastante defasados, porque havia uma grande dificuldade também de
comunicação. A gente não deve esquecer que na época as comunicações eram muito
precárias, não havia nem possibilidade de um telefonema Internacional ainda na
década de vinte, né? Então era... o Brasil era muito... só se informava através
de revistas, publicações. Então, o modernismo foi esse reflexo de um momento
mundial. Além de acontecimentos políticos que ocorreram. Por exemplo, em 22,
houve, além da Semana, houve a fundação do Partido Comunista, houve o
Centenário da Independência, houve um movimento do Levante dos 18 do Forte.
Enfim, esse conjunto de fatores é que contribuiu para a eclosão do movimento
modernista.
Reynaldo Bessa:
É no caso, né? a ideia do Manifesto Futurista? A velocidade,
o trem, eletricidade... que, enfim.
Tércio, para encerrar, Mário trabalhou em várias frentes,
né? Então, mesmo que você respondeu, mas você pode reforçar isso. Na sua
concepção, de todas as contribuições de Mário de Andrade para a cultura
brasileira, qual a que reverbera até hoje nesses 80 anos de morte do autor
paulistano? Essa que ficou ali, que está ali, que é imprescindível?
Jason Tércio:
Olha, antes de dizer isso, eu quero dizer o seguinte, apesar
de toda a grandeza intelectual do Mário de Andrade, ele que foi o mais
paulistano dos escritores, né? O único, inclusive, que escreveu o primeiro
livro depois e o segundo livro de poesia dele, Paulicéia Desvairada. Ele não é
ainda até hoje reconhecido devidamente em São Paulo. E eu digo isso porque ele...
simplesmente não existe uma estátua, entendeu? O busto que havia dele em frente
à Biblioteca Nacional, a biblioteca Mário de Andrade, foi colocado lá dentro.
Então existe uma rua no bairro Barra Funda, existe a biblioteca Mário de
Andrade, porque evidentemente foi ele que fundou, né, quando ele era chefe de
Departamento. E existe também esse busto e tal, mas por exemplo, Villa-Lobos, curiosamente,
que era carioca, nunca morou em São Paulo, ele é nome de shopping. Existe em
São Paulo, Shopping Villa-Lobos, parque Villa-Lobos, metrô, estação de metrô
Villa-Lobos. E Avenida Villa-lobos, ou seja, o Villa-Lobos é mais reconhecido
em São Paulo como modernista do que o Mário de Andrade. E a gente sabe que
monumentos, estátuas, nomes de logradouros públicos têm um valor simbólico
muito importante, né? Representam o reconhecimento de uma sociedade em relação
aos seus artistas. Isso reforça a identidade cultural do país, enfim, então eu
queria deixar isso bem claro.
Agora, em relação ao grande... ao ponto mais importante que
você mencionou, eu acredito que foi como ficcionista, né? Além de Macunaíma,
que é uma obra, apesar de ter trechos muito difíceis, né, como o Grande Sertão,
Veredas, do Guimarães Rosa, é uma obra assim que é preciso ler e reler várias
vezes para se saborear, de preferência em voz alta. E além desse livro, ele tem
também contos maravilhosos, né? O livro de contos chamado Contos Novos também
muito bom, os livros de poesia dele também são muito bons. O Paulicéia Desvairada,
o Remate de Males, que tem aquela famosa frase “eu sou 300, eu sou 350”.
Evidentemente os ensaios de não-ficção, os ensaios dele sobre cultura
brasileira. Eu acho que deveria ser leitura obrigatória nas escolas.
Reynaldo Bessa:
Maravilha, ficam aí duas grandes dicas de livro, né?
Macunaíma e Contos Novos, eu os conheço e realmente é uma grande dica. Aqui no
Pois é, Poesia tem muitos alunos de ensino médio, universitários, essas dicas
são muito importantes para justamente conhecer Mário de Andrade e poder fazer jus
a esse nome, porque quem conhece as biografias, quem lê, percebe um Mário que
vai crescendo, vai crescendo... Geralmente as pessoas vão lá pra Oswald de
Andrade, enfim. Mas quando lê e percebe que o Mário tem uma grandeza, né, vai
tomando toda a narrativa, enfim, toda a história... Tá certo?
Jason Tércio, meu querido, muito obrigado pelas tuas
palavras, pela contribuição aqui. Foi grandioso, foi maravilhoso. Se eu
pudesse, ficaríamos aqui o tempo todo falando, conversando com você. Muito
obrigado e sucesso aí nas suas empreitadas, nas tuas, os teus livros, enfim, na
tua vida, tá bom?
Jason Tércio:
Ok, muito obrigado, Reynaldo, foi um grande prazer também
falar um pouco contigo aí.
Reynaldo Bessa:
Maravilha, maravilha.
(Vinheta cantada)
Pois é, pois é. Pois é, poesia. Poesia há. Ou não.
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