Transcrição: entrevista de Chacal, da Geração Mimeógrafo ao CEP 20.000



A oitava transmissão ao vivo do Pois É Poesia: Arte no Plural foi ao ar em março para celebrar um ano do podcast. O episódio completo está disponível no Spotify, Youtube Music e no Youtube do Pois É, Poesia (vídeo abaixo). 

Entre os destaques da edição que celebra mais um Dia da Poesia, o apresentador e poeta Reynaldo Bessa conversa com Chacal. 


(Vinheta cantada) Pois é, Poesia

 

Reynaldo Bessa:

O oitavo episódio do Pois É Poesia conta agora com CHACAL.

Chacal nasceu no dia 24 de maio de 1951, no Rio de Janeiro. Considerado um dos escritores mais originais do país, ficou conhecido por ter sido o primeiro poeta a usar o mimeógrafo como fonte de divulgação da sua poesia, na década 70. Em 2007, recebeu o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, na categoria “poemas”, da APCA, né?

Estudou Comunicação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1970 escreve seu primeiro livro intitulado Muito Prazer, uma edição mimeografada, um misto de cartão de apresentação com livro de poesia, pessoalmente – o Chacal ia lá e, enfim, distribuía – pelo autor em 1971, com edição de cem exemplares.

A partir de 1972, passou a colaborar com a revista Navilouca. Publicou o livro Preço da Passagem, também em edição mimeografada, com tiragem de mil exemplares.

Em 1979, junto com Charles Peixoto, criou o POBRÁS, “um órgão de classe”. A partir de 1990 passou a dirigir o projeto CEP 20.000 – Centro de Experimentação Poética, que mensalmente realiza eventos multimídia no Rio de Janeiro.

Nos anos 1980 escreve crônicas para os jornais Correio Braziliense, Folha de São Paulo e Jornal do Brasil e estabelece parcerias, como letrista, com artistas como Lulu Santos, Jards Macalé e Moraes Moreira.

Sua poesia foi reunida no volume Belvedere (2007). O romance autobiográfico, intitulado Uma História à Margem, foi publicado em 2010. Em 2016, publicou, pela Editora 34, Tudo (e mais um pouco) que reúne sua obra poética de 1971 a 2016.

 

Chacal, querido, seja muito bem-vindo ao Pois É, Poesia: Arte no Plural, meu querido, saudade de você. Viajamos lá no “Poesia Ligada na Tomada”, lembra? Fizemos as Funartes do Brasil, eu, você, Ademir, Marcelo Montenegro, é, teve mais, teve mais? Eu, enfim, muito bacana ter você aqui. Muito obrigado por aceitar o nosso convite, é uma honra tê-lo aqui, certo?

 

Chacal:

Reynaldo, tudo bem, meu amigo?

 

Reynaldo Bessa:

Tranquilo, meu querido, tranquilo, tranquilo, de boa. E você, como é que tá o Rio de Janeiro? Tudo certo por aí?

Chacal:

Tá bem agora, começando o ano, né, porque verão é uma estação que eu não gosto muito. É, pra mim é muito quente, né, muito calor, não fica na temperatura da memória. Então agora estamos novamente com chuva. As plantas estão molhadas e tal. Está tudo muito bem agora. O CEP está recomeçando, semana que vem temos um CEP novamente.

 

Reynaldo Bessa:

Sim, é isso.

Chacal, querido, lendo os seus livros, vendo suas entrevistas, suas obras, li tudo. Li há muito tempo sua obra, enfim, conheço, converso com Ademir, com diversos outros poetas e curto muito. E eu vi lá no Munrundu, né, que logo na abertura, um livro bem publicado, bem editado, inclusive Companhia das Letras, né? Um poeta da poesia marginal, da Geração Mimeógrafo, enfim, né, editado por uma grande companhia. Mas não é sobre isso que eu quero falar, eu quero falar sobre uma fala sua que tem no Munrundu, logo no texto de apresentação, você diz o seguinte: “Poesia não se ensina, se aprende”. Como é que é isso, Chacal?

 

Chacal:

É, nem se ensina nem se aprende, na verdade, né?

Porque volta e meia tenho que dar umas oficinas, né, por ganhar alguma grana e tal. E é muito difícil. É uma coisa que eu não me satisfaço muito, porque eu não acho que tem esse conhecimento de poesia, um conhecimento mais formal assim, que possa me permitir dar aulas e tal. O meu conhecimento é muito da prática poética que eu já escrevo há mais de 50 anos, né? Escrevo e público. Mas eu acho que aprender e ensinar é um processo contínuo. Todos nós fazemos isso, de uma forma ou de outra. A gente está sempre aprendendo e ensinando.

É o que eu faço na minha vida, no meu dia a dia, no CEP 20.000. CEP 20.000 é o Centro de Experimentação Poética. Para mim, é o grande centro e grande oficina de poesia que eu consegui realizar na vida. Cada um vai lá, fala o que quer, o que bem entende e aprende também vendo os outros falarem, vendo os outros fazerem poesia, falar poesia. É, então é isso, eu acho difícil você ensinar, ensinar sobre uma coisa que é meio abstrata assim.

E cada um vai aprendendo, selecionando as próprias referências, os próprios textos que leu e gostou. Isso é aprendizagem. Aprendizagem de poesia é isso. É ler e escrever, ler, escrever, ler, escrever. Isso que a gente faz sempre. E eu acrescento mais ainda uma coisa é ler, escrever e falar seu poema, porque a expressão oral do poema não é uma simples leitura do poema escrito. A gente ficou muito refém da poesia escrita, né, desde Gutenberg, desde séculos atrás.

Então uma das grandes contribuições da poesia marginal foi justamente recuperar o corpo pro poema. A voz, o corpo, né? Todas essas coisas que enriquecem a expressão do poema, uma voz, o corpo e tal é bem-vindo para poesia, sempre foi, né, desde Homero, desde tempos antigos. A poesia escrita é uma coisa relativamente recente na história da poesia, né? E ela requer um outro tipo de abordagem do poema, né? É um poema que você já não conta mais com o autor falando aquilo ao vivo, é uma leitura silenciosa que muitas vezes não extrai do poema toda a potência do poema, né? Eu acho que você tem que ouvir um poema porque muitas das coisas do poema é som, é ritmo, são esses efeitos sonoros da rima, da métrica até, né? E sem você ouvir ele, o poema perde muito da sua potência, eu acho. Então acho que essa foi uma boa aquisição pra poesia que a poesia marginal permitiu nos anos 70.

 

Reynaldo Bessa:

Inclusive você, quando nós viajamos juntos aí, eu, você, o Ademir, Marcelo Montenegro, você ministrou uma oficina, eu me lembro bem, pra molecada ali, pra os estudantes ali, acho que do ensino médio, ministrou uma oficina de escrita. Agora me diga uma coisa. Você, entre outros inúmeros poetas, fez parte de um movimento - eu não posso deixar de falar nessa geração desse momento que é tão importante - que foi o ponto inicial ali desse grande movimento que foi a poesia marginal, enfim, que alguns não aceitam isso, a “poesia mimeógrafo”, que também alguns refutam e tal. Mas esse grande movimento de poesia que eu sempre ressalto, né? Então você juntamente com muitos poetas...  que ficou conhecido como a Geração Mimeógrafo/poesia marginal, esse movimento, Chacal, quando eu leio essa poesia desse pessoal todo, Cacaso, você, enfim, Nicolas Behr, eu vejo muita música na poesia. Esse movimento estava mais próximo,  é uma pergunta, mais próxima da música pop ou da literatura?

 

Chacal:

É, eu acho que a poesia, ela está mais próxima da música. A poesia, de uma forma geral, está mais próximo da música do que da literatura, do que da filosofia. Isso não sou eu que digo, isso é Paulo Prado, isso é, são alguns estudiosos da poesia, né? Naquele momento ali era um momento que a gente estava entre o poema concreto, que é de difícil assimilação sonora, porque apesar de ser o poema para ser um verbo voco-visual, para você incorporar essas 3 características do poema, né, vocal, visual e verbal, é um poema difícil de ser cantado ou ser falado. Ele normalmente é um poema que é vocalizado e a gente vem naquele período ali, como seguir uma herança mais do modernismo de Oswald de Andrade, principalmente, né, que era escrever de uma forma coloquial, que não fosse a linguagem culta, a forma culta da linguagem e sim a forma coloquial. E nessa coisa coloquial, a gente extraía toda a musicalidade possível, né? A música, ela se origina muito nas conversas, no que as pessoas falam e conversam e tal.

Então, esse tom eu nunca quis perder, de uma música associada à conversa, à fala, sabe? Cacaso era um excelente versejador, né? Ele tinha muita essa habilidade da rima, e... principalmente o Cacaso ali daquela turma, né? O Nicolas Behr são poemas curtos assim, são poemas, mas que estão muito ligados à coisa da fala também. São pequenos koans assim. E são muito interessantes e tem muito a ver também com a poesia modernista de Oswald de Andrade, né?

Então basicamente esse tipo de poesia, que se contrapunha um pouco ao poema concreto, justamente por isso, porque a gente perseguia uma linguagem menos de uma tiragem culta, né, e mais próxima do popular, mais próximo da fala, diferente um pouco da poesia concreta, né, e mais diferente ainda da poesia de 45, que já voltava a ser uma coisa mais formal de métrica e... Enfim, a gente se divertiu muito, se diverte até hoje.

 

Reynaldo Bessa:

A poesia marginal, Geração Mimeógrafo é o último movimento artístico a estudar, digamos assim. É isso? Tivemos o poema concreto, a Geração Mimeógrafo...

 

Chacal:

Com certeza. Eu não sei porque não apareceram outros. A tendência depois, com essa coisa da pós-modernidade e tal, é não ter mais uma linha assim. Todas as formas são possíveis, né? Isso aconteceu com o retorno do soneto, muitos poetas fazendo o próprio, os próprios Augusto, Haroldo, um brilhante, sonetista que é o Paulo Henriques Brito, o Antônio Cícero. Então vários poetas começaram a experimentar com a forma fixa, né? Poetas mais contemporâneos. Então, não, não se criou assim, uma forma mais definida após os anos 70, 80.

Eu trabalho com isso dentro do CEP, que é um lugar mais propício à performance do poema, que a gente já fazia lá atrás também, isso de trazer o corpo para poesia, né? A voz e o corpo, quase, mas não tão próximo do teatro, né? O espaço físico tem uma importância grande. Costumo dizer que o meu drama maior não era a página em branco, mas sim o palco vazio, sabe? Meu poema era pensado pra um palco vazio, que é ali que eu podia desenvolver a coisa do corpo, a coisa da fala, né? Então é isso, eu acho realmente que não se formou uma outra escola nesses tempos mais recentes, a partir dos anos 80.

 

Reynaldo Bessa:

Eu vou te fazer uma pergunta que tem muito a ver com essa questão que você acabou de responder. Eu acho que tem, porque também baseado numa de suas entrevistas, você apresentou - entrevista recente-, você apresentou um conceito para se referir à era digital, né, que é a hipertrofia informacional. E aí o seguinte, você disse que a era digital cria um excesso de informação impossibilitando que as coisas aconteçam.

Você acha que esse acúmulo de informação não aproveitada impossibilita o advento de um movimento no porte de uma Geração Mimeógrafo ou ainda mais forte? Não me refiro a movimentos localizados, livre atiradores, mas um movimento uno é possível? Essa questão está ligada aí, por que você perguntou por que que Ah, você não sabe por que que surgiu um outro movimento? Não seria isso, o advento da das da internet, as redes sociais mal aproveitado? Enfim, existe atividade, mas você... Mas me parece que não... Tudo é para tá conectado, mas parece que está desconectado, parece que não se pensa uno, se pensa sempre em universos individuais, né, como associação. Enfim, não seria isso?

 

Chacal:

É, pode ser sim, pode ser. Na minha prática, na minha experiência pessoal, nos anos 70, cada livrinho que a gente publicava era um acontecimento, porque não tinha tanta informação assim. Você tinha informação de música, você tinha... mas incomparavelmente menor do que hoje em dia. Hoje em dia, você aperta um ou dois botões e o mundo cai sobre você, né, você tem todo tipo de informação que você quiser dentro do youtube, por exemplo, né? Sejam boas informações ou sejam fake news, não é?

Eu não sei, a gente tem uma possibilidade única de desenvolver muito poema através desse mundo digital. Você tem o que o Augusto me falava uma vez, primeira vez que encontrei com ele num bar em Belo Horizonte, depois de um show que ele tinha feito, um show extraordinário, ele falava que só agora ele estava podendo exercitar o verbo voco-visual, porque é próprio da linguagem digital, você pode misturar as coisas todas e tal. E tanto é que ele faz isso brilhantemente. Mas agora a coisa não explode, não estoura, sabe, porque você concorre ao mesmo tempo com uma infinidade de blogs e sites e coisas que tais, né? Então é essa coisa da hipertrofia informacional. Você tem muita informação hoje em dia.

 

Reynaldo Bessa:

Pode falar, pode falar.

 

Chacal:

Se você não tomar cuidado e quiser se informar de tudo que acontece você vai perder dias e dias só se informando, né? Isso é uma informação muito interessantes até, mas que tiram você de um projeto de escrita, um projeto de livro, um projeto de trabalho em si. Você, eu acho, eu acho difícil. Eu tento usar a internet e sempre tentei para - principalmente as redes sociais - para escrever a coisa no dia a dia, como se fosse um diário, ou um rascunho ou coisas que tais. Eu não tenho mais aquela história de escrever um poema, nunca tive, para mim, poesia é um pouco sinônimo de urgência, né? Tanto é que o “Mimeógrafo” era um pouco isso. A gente vivia escrevendo, escrevendo e publicando, escrevendo e publicando. E hoje em dia a mesma coisa. Eu não tenho mais um... nem mesmo uma pasta, por exemplo, (pra) eu usar, escrever os poemas, colocar lá e tal, e daqui a um ano, dois anos, eu publicar em livro.

Primeiro que é difícil a relação com as editoras, é difícil, e o tempo que eles pedem para publicar o poema já perdeu a força. Então eu gosto muito de fazer assim, né? Eu acabei de escrever, subo pra uma rede social alguma coisa assim onde você pode ter um retorno imediato, um comentário ou, enfim, uma conversa e às vezes maior do que você tem publicando um livro. Você faz um livro, você não sabe quem comprou, quem leu, quem não leu e tal. É uma coisa muito estranha isso. Então eu prefiro fazer dessa forma: vou para a rede social e faço ali um pouco um teste, um balão de ensaio. Já publiquei vários livros temáticos, inclusive, que saíram de experiências nas redes sociais, né? O “Seu Madruga e Eu” foi um, por exemplo, o... o... esse... um dos últimos que eu fiz o “Brotou Capivara”, tudo isso é coisas que eu escrevi na nas redes, né? E que eu vou depois elaborando mais e transformo em livro. E por aí vai.

Reynaldo Bessa:

Mas Chacal, se você me permite, você já é um clássico, né? Utilizando de uma frase sua, você diz, a gente deixou de ser marginal para ser magistral. Então eu acho que você falou isso. Eu achei isso... bom, são frases que eu acho chacalianas, né? Eu chamo de chacalianas, porque... inclusive na internet eu postei uma vez uma frase achando que tinha achado assim, oh, achei um brinco, um brinco, “a vida é muito curta pra ser pequena”. Aí a Alice Ruiz, opa, isso aí é do Chacal, aí eu tirei, porque eu achava que isso aí era... frases chacalianas, então essa é muito interessante.

Chacal, pra finalizar, querido, nosso tempo é curto mesmo, adoraria ficar mais tempo com você,agradeço mais uma vez a tua participação, me diz uma coisa, o poeta hoje, esse poeta hoje, agora, que está fazendo, trabalhando agora, não estou falando poeta que existe ainda e que fez lá, começou lá em 90 em 80. Ele, esse poeta que começa a trabalhar agora, esse poeta, ele tem medula e osso, citando uma frase de Torquato Neto, porque.

 

Chacal:

É, isso aí, hoje em dia, esse mundo digital, esse mundo contemporâneo, ele não favorece muito a ter medula e osso não, porque medula e osso, da forma como eu leio, é você ter a medula, que é informação, e o osso, que é o canal por onde passa essa informação. E essa seria mais ou menos a missão do poeta em si, né? Ele mesmo cria informação, cria o poema e ele tem que criar também esse canal. Por exemplo, quando a gente fez a poesia em mimeógrafo, era isso. Quem é que ia publicar a gente naquele período? É, primeiro livro, sabe? Eu tinha 20 anos, então ninguém ia se interessar. Então a gente ia, a partir de um recurso usado em escolas para imprimir provas e apostilas, a gente utilizou para imprimir poesia. Então ali a gente estava fazendo a medula e osso, sabe? Hoje em dia seria... a internet que teria esse papel, mas a internet tem mais essa cara de geleia geral do que medula e osso, sabe? Tudo ali é diluído e tudo vira geleias, sabe? É muita informação e tudo mais. A gente acaba usando, porque hoje em dia é difícil você se esquivar desse bombardeio de informação, mas tem que manter um pezinho no vivo, sabe, que é isso que eu faço com o CEP 20.000  há 35 anos. Esse ano a gente faz 35 anos de CEP 20.000 - Centro de Experimentação Poética. Então tem aquele espaço ao vivo ali para a gente dar risada e sai e vai beber. Uma vida ao vivo, não é, que hoje a gente quase não tem. E estou esperando você quando estiver aqui no Rio para se apresentar lá no CEP.

 

Reynaldo Bessa:

Está certo. O Ademir, a gente está sempre conversando aqui, eu estou com todos os seus livros, eu inclusive adquiri os novos aqui, porque eu precisei me debruçar muito. Já vinha lendo, como eu falei, mas fui conhecer mais os novos. Eu queria te agradecer, sucesso aí nos teus projetos, sucesso no CEP, na tua vida, na tua poesia, beleza, muito obrigado, tá bom?

 

Chacal:

Eu que agradeço, Reynaldo, muito obrigado pelo espaço e estamos junto.

 

(Vinheta cantada) Pois É, Poesia.

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